quarta-feira, 11 de abril de 2007

SOL ENGANADOR


"Sol enganador" (1994-Nikita Mikhalkov)

Mitia, o "russo branco" que vendeu a alma ao NKVD, começa o filme jogando à "roleta russa" e acaba-o suicidando-se no banho como os patrícios romanos.

Pelo meio, assistimos ao que podia ser a vida no campo de algumas personagens de Tchekov, durante a sua visita à datcha do herói nacional, o coronel Kotov, que casou com a sua antiga namorada.

Mas não como no "Cerejal", em que nos sentimos tocados pela melancolia de um modo de vida que vai desaparecer, quando os novos tempos se anunciam já na figura de um filho dos moujiks que vai decidir sobre o destino das belas árvores.

Mitia não vem destruir as ilusões da sua classe. Vem como o mensageiro do diabo, sob uma aparência familiar e culturalmente cúmplice ferir o patriota sincero, o homo sovieticus, para quem o ténis era um jogo burguês e se orgulha de não saber falar francês como os antigos senhores. Vem fulminar o herói nacional, com acesso ao telefone privado do "Pai dos Povos".

O intermezzo idílico, preguiçoso e sensual que lembra a atmosfera de "Oblamov", um outro filme do cineasta, acaba num mergulho na realidade, com o soldado que tudo faria pela pátria soviética, em cujo futuro radioso antevê que todas as crianças terão os pés deslumbrantes da sua filha Nadia, espancado dentro do carro em que Mitia e os seus polícias boçais o levam para Moscovo (Kotov foi fuzilado em 1936, e só reabilitado vinte anos depois).

A imagem gigantesca de Staline erguida por um balão que surge, pouco a pouco, por detrás da colina, vemo-la com os olhos dum Kotov martirizado que naquele momento passa do sonho feliz ao pesadelo.

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