quinta-feira, 27 de abril de 2006


Porto (José Ames)

quarta-feira, 26 de abril de 2006

A NUVEM DA PARCA


A nuvem de Chernobyl


Quando se fala pela primeira vez, com tal clareza, na comunicação social das terríveis consequências, passadas, presentes e futuras, para lá, se calhar, da presença do homem na terra, do desastre de Chernobyl, percebe-se como é vital para a humanidade salvar a memória e prestar-lhe um culto cívico.

Não é só porque o revisionismo da história é sempre possível e porque se este prevalecer perderemos para sempre o conhecimento dos nossos erros e dos nossos crimes, mas porque sem esse culto, que é também uma espécie de perdão, estaremos condenados a viver prisioneiros da actualidade, sensíveis apenas aos problemas do curto prazo e sem respeito pela humanidade futura.

Como se vê na sinistra unanimidade que parece esboçar-se em torno do regresso à opção nuclear.

Estaremos a decidir agora, inconscientemente, como é próprio da tragédia, o suicídio da espécie?

MODELOS



É saboroso ver em "Artistas e Modelos", de Frank Tashlin (1955), como a banda desenhada (os comic books) pôde numa certa época ser considerada por alguns uma ameaça social.

Em termos de alienação e de dessublimação da violência o que é isso comparado com os jogos de computador?

Era o primeiro sinal de alarme da perda de influência da família na formação dos jovens.


Eleusis (José Ames)

terça-feira, 25 de abril de 2006

O ANIMAL POLÍTICO



Pesadelo: que para comemorar condignamente o 25 de Abril, 32 anos depois, a população se apresentasse em massa na sede dos partidos solicitando tarefas patrióticas.

Há só uma coisa pior do que a despolitização: é a multidão em estado de "mobilização", pronta para o sangue.

Porto (José Ames)

domingo, 23 de abril de 2006

LADRÃO QUE ROUBA A LADRÃO


Intérprete de "Infiltrado"


No falso assalto ao banco, em "Inside man" (2006-Spike Lee), falso porque as armas são a fingir e por que o que se rouba é um segredo que o banco não pode correr o risco de ser revelado, quase acreditamos, como o autor do golpe, que este não podia falhar.

Os únicos que se podiam queixar eram os reféns porque a todos os restantes personagens interessava este acordo de cavalheiros entre ladrões.


Almada (José Ames)

sexta-feira, 21 de abril de 2006

PLATAFORMA

"2001, A space Odissey "(1968-Stanley Kubrick)


Na plataforma apinhada de gente, a velha enfia o ramo da planta que traz embrulhada no regaço, sem dar por isso, no rabo do moço que olha pela janela. O velho zanga-se. Dois namorados reverberam de saúde. Ela merece do jovem encostado ao canto um olhar em que há súplica e desejo. Este rosto enérgico e triste faz-me lembrar Keir Dullea, o astronauta da “Odisseia” de Kubrick. E aquela cena duma angústia climatizada em que o herói computa o sono artificial dos outros tripulantes. Era isso que me apetecia fazer: saltar na primeira paragem para a sala de cinema.

O que falta na cidade electrónica em missão no espaço é a natureza. Os homens envenenados pelas suas próprias invenções morrem lentamente, separados paradoxalmente do universo e de si próprios. A ausência total de sensações, que um bit do cérebro mecânico traduz no processo irreversível da morte, é uma forma de poupança dos que hibernam. Mas os que viajam que lhes resta fazer senão perder sempre ao xadrez com o computador? A nave é um sistema fechado quase perfeito. A surpresa quase eliminada, de que lado podem vir os perigos? A política é impensável e a guerra. Os homens referem-se a um princípio infalível. Eles são o comando manual do cérebro electrónico. O instrumento autónomo. Sujeito por isso ao erro da desobediência. É caso para perguntar se o estratagema do computador não é imaginado pelo aborrecimento humano. Ou se o programa se sente ameaçado pela reivindicação da vida. É preciso esconder à tripulação o sacrifício implícito na missão secreta, ou a rotina é já ela própria o sacrifício? E contudo vive-se numa prisão colorida, cheia de distracções inteligentes. Telefona-se para a família, desenha-se para o olho crítico de Hal. Por que é que Kubrick nos embarca neste regresso a Ítaca?

Na superfície curva e asséptica, o homem desloca-se no seu passo ginástico. Bronzeia-se debaixo da lâmpada. Nunca a força humana e a beleza pareceram tão abstractas e inúteis. Incompreensíveis como o espaço imenso e recamado de astros que envolve tudo. A matéria lisa, geométrica, articulada como a linguagem e a lógica fecha completamente os homens. A segunda pele tornou-se o fim de si mesma. Não respira, não protege a acção humana. A mediação é interrompida para sempre. Como se os dejectos humanos entrassem no círculo vicioso e o pensamento fosse impossível, por se ter perdido a noção de objecto. A nave é um símbolo da esquizofrenia. Hal é o único que pensa. A terra existe para si como uma ordem. Mas o rebelde só quer salvar a vida. E começar do zero a aventura do Homem.

Chegamos a Campanhã. Abençoadas árvores!

quinta-feira, 20 de abril de 2006

AS CLASSES BAIXAS


Nicolai Gogol (1809/1852)


"Mas sabendo por experiência o pouco interesse que suscitam as classes baixas, o autor sente algum escrúpulo em reter a atenção sobre tão fracas personagens."

"As almas mortas" (Nicolai Gogol)


Gogol refere-se ao cocheiro e ao criado de Tchitchikov, a personagem principal. Ora, este humor é hoje quase incompreensível. O snobismo não resistiu à Revolução.

Por isso o desprezo é hoje mais subtil. E não se funda em pergaminhos de classe e de cultura, mas chega-lhe uma justificação estatística.

Assim um ex-ministro pôde dizer há dias, como a verdade do evangelho, que os jovens agora têm de renunciar à segurança e à estabilidade dum emprego.


Bonfim (José Ames)

terça-feira, 18 de abril de 2006

OS PUNHAIS CONTRA O FUTURO



César foi, enfim, assassinado. E caído nas lajes do Senado tentava pateticamente cobrir o rosto com a toga, como a poupar aos seus carrascos a ilusão da sua fragilidade.

Porque o homem era mais do que o indivíduo e a sua ambição. Com ele, o futuro atravessara o Rubicão. E foi o primeiro a compreender que o crescimento do império tinha acabado com a República.

Que diferença entre Ciarán Hinds e o César da versão de Mankiewicz!

Ou entre este Brutus, esmagado e sem fala depois do horrendo acto e o herói shakespeareano representado por James Mason!


Escarpa (José Ames)

segunda-feira, 17 de abril de 2006

A VIA TRAUMÁTICA


"A Paixão de Cristo" (2004-Mel Gibson)

"A verdade, que é sempre um bocado maior do que a realidade. A verdade que fala por hipérboles exactas. "Levai daqui o meu cadáver" diz Édipo."

"Os Imperdoáveis" (Cristina Campos)


Resisti a ver a "Paixão" de Mel Gibson, quando passou nos cinemas. Vi-a agora na televisão, enquadrada na programação pascal.

O repúdio de alguns dos meus amigos em relação ao "gore" hiper-abundante deste filme, visivelmente bem intencionado e tecnicamente competente, com a introdução eficaz da figura do Sedutor, não pude deixar de senti-lo na cena da flagelação.

A história evangélica, tantas vezes contada, aqui tropeça fragorosamente na intenção de chocar e de convencer, como se a arte se tivesse esquecido dos seus limites e da sua natureza para se propor uma repelente, porque hipócrita, imitação da vida.

Como Hitchcock, que nunca perdia de vista a reacção da plateia e por isso tinha uma relação libertina com a verdade, não se coibindo de nos enganar, para nosso deleite, com os seus "McGuffins", Mel procura, sem dúvida, um efeito piedoso garantido pela via traumática.

Mas aqui estamos precisamente a lidar com a Verdade e não nos é permitida a libertinagem de Hitchcock.


Amazona (José Ames)

domingo, 16 de abril de 2006

A UTOPIA DA PAREDE BRANCA



Parece que a comunicação social se começa a preocupar com o aspecto da cidade, que não é só boas ou más ideias urbanísticas, mas é também a forma como (nel)a vivemos.

Li dois artigos quase seguidos, um sobre Lisboa e outro sobre o Porto, em que se chama a atenção para o grafito selvagem e para essa outra espécie de expressão alógica, conhecida por "tag", que não poupa paredes, nem património.

A proliferação deste fenómeno só tem encontrado, até aqui, resignação e conformismo por parte da população, e uma incompreensível passividade por parte das autoridades.

"(...)Quem iniciar o primeiro dos cinco percursos incluídos no programa dos Caminhos do Romântico, que abrange toda a zona do Palácio de Cristal, Quinta da Macieirinha e Casa Tait, facilmente se escandaliza com a pouca ruralidade que sobrou. Não há um único metro de parede sem spray, as paisagens são pintadas ao detalhe e as cores atropelam-se sem critério definido. O Porto rural, a que o projecto de requalificação pretendia levar os visitantes através de um passeio pelas estreitas ruelas seculares, desapareceu por debaixo de uma densa maquilhagem de tinta(...)." (Estela Ataíde no "Público" de hoje)

A indignação só, claro que não resulta perante este vandalismo, por estudar nos seus contornos e nas suas motivações. Decerto que a vertigem do risco e da transgressão deve ser mínima, já que são raríssimos os protestos e é nenhuma a vigilância e a punição.

Mas esta forma de publicidade negra terá a sua economia, os seus objectivos e o seu público-alvo. Por outro lado, ao contrário do grafito com pretensões artísticas e que podia ser desviado para locais reservados, o "tag" parece ser apenas destrutivo. Compreender isto é um trabalho de antrópologo, sem deixar de ser um caso de polícia.


Boa Morte (José Ames)

UM MURAT MAIS FIEL DO QUE O ORIGINAL


Errol Flynn em "Todos morreram calçados"


O filme de Raoul Walsh sobre Custer, "They died with their boots on" (1941), é uma bela ilustração do princípio de que os nossos defeitos se assemelham mais às nossas virtudes do que aos defeitos dos outros homens.

A negligência do cadete e o seu comportamento anárquico têm um ar de família no rigor e na disciplina do tenente, logo general. A idolatria pelo mais flamejante dos generais napoleónicos (Murat), a sua vaidade sem limites, nem má consciência são o combustível duma coragem indómita e dum lendário destemor.

Quando o visita no hospital, depois duma vitória, contra as regras militares, o seu superior comenta:

- em circunstâncias como esta, a opção é entre o pelotão de fuzilamento e uma medalha; desta vez, é uma medalha.

sexta-feira, 14 de abril de 2006


Cabo Espichel (José Ames)

PENEDOS E CANYONS


Bryce Canyon


Por entre os penedos de Lavadores, brincam os meninos. Um deles sai de um "desfiladeiro" e olha em volta, em plena descoberta.

Sem a perspectiva que dá a cada coisa a sua distância, sem o horizonte recuado e dominado que se oferece aos nossos passos e à nossa acção, mas, em vez disso, a floresta virgem em que é preciso abrir caminho e o mundo tão grande como as nossas emoções. Assim é a infância.

Imagino o que seria preciso para voltar a encontrar-me num mundo novo.

Era só preciso, talvez, desligar o computador de bordo...

São tantos os sinais de que realmente nada é como pensamos!

quinta-feira, 13 de abril de 2006


(José Ames)

terça-feira, 11 de abril de 2006

LOCAL HERO



"Uma história de violência" (2005-David Cronenberg)


Nesta quase versão de "Out of the past", David Cronenberg dá-nos a história dum mafioso que se esconde sob uma nova personalidade, de pai de família e "local hero" provinciano.

É a extraordinária eficácia com que lida com os violentos que pouco a pouco torna verosímil a denúncia dos criminosos que o conheceram e que pretendem desmascará-lo e tirar vingança.

Cronenberg parece acreditar na regeneração pelo amor e a cena final em que os filhos põem mais um prato e lhe passam a comida e o perdão já visível nos olhos da mulher, é isso que significa.

Não há nada, porém, que tire este filme da mediania, pois não sabe explicar-nos como é que uma natureza pode assim dissimular-se, voltar à tona e de novo mergulhar, e o registo não se quadra em absoluto com o mito do Dr. Jekyll e Mr. Hyde.


José Ames

segunda-feira, 10 de abril de 2006

WOODY REVISITADO



"Manhattan" é o melhor do estilo de Woody Allen. Descontraído, conversado como o jazz, lubrificado por um famoso humor verbal que parece às vezes ser o único pretexto para algumas cenas.

No tempo em que Woody estava na moda, não faltava quem procurasse nos seus filmes uma dificuldade intelectual de bom tom. Esse aspecto foi já esquecido pela opinião pública.

E agora estas comédias aparecem demasiado expostas e sofrendo do precoce envelhecimento das piadas.


Gaia (José Ames)

domingo, 9 de abril de 2006

O PENSAMENTO SERIAL



Auguste Comte (1798/1857)

A lei dos três estados (teológico, metafísico e positivo) é sem dúvida ela mesmo um estado do espírito. Mas a verdade é que não se pode pensar sem um sistema qualquer e este corresponde a um movimento natural compreendido por todos.
A paixão classificatória do fundador do Positivismo nunca é arbitrária, na medida em que o pensamento se desenvolve num quadro como esse necessariamente, e o mérito do filósofo foi o de aplicar ao domínio do espírito a lei da evolução, já percebida no mundo físico.
A ideia crítica, como ele viu, não é completa em si mesma e nunca poderia fundar uma instituição nem organizar estavelmente a sociedade. O espírito positivo não é, como hoje se sabe, a simples compreensão do dado, mas acção no verdadeiro sentido, porque nele a existência nunca é explicada senão para continuar o seu ser pela compreensão duma lei que é sempre provisória.
A injunção marxista de transformar o mundo é um pleonasmo, porque, a menos que se entre como força cega na dinâmica social, a mudança não é outra coisa que a atribuição dum sentido ao passado e, portanto, a sua continuação ideal por meios conscientes e pelas involuntárias inflexões. A História é a abstracção necessária à acção colectiva como crença, e cujo sujeito é o povo ou a nação. Mais do que a ideia da soberania popular, a ideia histórica expulsou o espírito teológico dos sistemas de governo. Interpretar os factos humanos para deduzir uma lei é o princípio da sociologia que se prolonga hoje nas tentativas de produzir o inconsciente significante ao nível do indivíduo.
Este homem que se julga com o direito a ler o destino na sua própria história, sem recurso a uma filosofia da origem é o antigo leitor solitário da bíblia, e o direito de exame sobre o texto, como disse Comte, é a nossa fábrica de mitos sociais. A tentação de reduzir este fenómeno à influência dum medium específico, na esteira de Mc Luhan, é demasiado forte para não ser referida de passagem. Mas talvez que as nossas reticências sejam a consequência do método de atribuir aos instrumentos a indignidade que é própria da matéria. Esse método, por muito fecundo que seja na cultura ocidental, é o signo duma incapacidade de apreensão imediata do nosso ser profundo.
Por uma fatalidade que é propriamente humana, as nossas intuições são uma síntese do homem separado da natureza, pela lei do espírito e dos seus instrumentos. É preciso ver na lei dos três estados a verdade dessa inadaptação necessária do homem e do universo, e encontrar aí, ao mesmo tempo, a chave para compreender a aspiração de todo o espírito livre à perfeição infinita.

sexta-feira, 7 de abril de 2006


Lamego (José Ames)

RESGATE


Norman Mailer

Ao ler o livro de Mailer (“O canto do carrasco”), emocionei-me, a ponto de escrever uma longa carta a um amigo. Sabia que ele também o tinha lido, e o facto de ser muito mais velho do que eu deve ter contado. Disse-lhe que não era preciso responder, que compreendia.

Julgo que me identifiquei com uma das facetas do Gilmore.

E não esperar resposta era no fundo sentir que, por uma razão ou por outra, não tinha direito a isso.

Gary sente-se livre, apenas quando conseguiu a execução. Humano e igual aos outros, capaz de confraternizar só depois de os levar a reconhecer que ele, Gary, não merecia a vida.

quinta-feira, 6 de abril de 2006

DIALÉCTICA



No X episódio de "Roma", o soldado Pullo, desmobilizado da 13ª legião, que se apaixonou por uma escrava, compra a sua liberdade para fazer dela a sua esposa legítima.

Não sabia que a violência da relação política o impedia de descobrir os verdadeiros sentimentos da criatura, e tomou o medo e a obediência pela afinidade amorosa.

É bem verdade, como dizia Hegel, que o escravo sabe tudo do seu senhor, e até o ódio pode ser um melhor mestre do que o desprezo.

Pullo nada sabia da vida de Irene, nem da escolha secreta do seu coração.


Alice (José Ames)

quarta-feira, 5 de abril de 2006

BORRASCA



O vento desta manhã no oblíquo passo da gente. Nas bandeiras feitas chama branca no céu de chumbo.

Uma cadeira na esplanada é arrastada para longe da mesa, como numa sessão espírita.

O movimento do mar está em toda a parte.


Porto (José Ames)

terça-feira, 4 de abril de 2006


Alcazar (José Ames)

segunda-feira, 3 de abril de 2006

E O SÉCULO XX DISSE: FALA!



A "Flauta Mágica" é uma obra misógina?

Excluída da irmandade maçónica, regida pelo princípio solar, a mulher simboliza aqui as forças irracionais, a imaginação, o reino da noite,

Num dos raros exemplos na arte de uma mãe desnaturada, a Rainha da Noite clama não só pela morte da Razão (Sarastro), mas também pelo sacrifício da filha (Pamina) às criaturas infernais.

A moralidade de "Così fan tutte" parece igualmente incriminar o nosso génio.

De resto, talvez nem se deva falar em misoginia, mas numa falta de acesso à palavra, numa infantilidade histórica (mas não na vida real) a que o passado parecia condenar o feminino.


Arrábida (José Ames)

domingo, 2 de abril de 2006

A FLAUTA MÁGICA



A "Flauta Mágica" (1975-Ingmar Bergman) é pura alegria.

A Tamino e a Pamina não chega existirem e amarem-se.

Essa era a via da Rainha da Noite. Sarastro impõe-lhes uma purificação e uma prova.

Na vida real, Sarastro saiu de cena pela esquerda baixa.

Em que é que este é um filme de Bergman? Em que estamos decididamente no mundo do teatro.

E a música, tantas vezes ouvida e perdida, ganha uma nova mocidade só por vermos o efeito dela no rosto daquela menina, durante a Abertura.

INCONSISTENTE DEMOCRACIA



Em "Syriana" (2005-Stephen Gaghan), conta-se a intriga dos lobbies americanos da energia e da sua ingerência no governo dos emirados árabes.

Moral da história: a maior economia do mundo tudo fará para garantir as suas fontes de energia.

Como esse objectivo é incompatível com a democracia e com a boa-consciência do "in God we trust", o sistema histeriza no seu perverso jogo de poderes paralelos e faz da corrupção o princípio recalcado nos discursos patrióticos e na fé dos direitos humanos.

Mas por que é que então o filme não parece uma denúncia, não muda coisa nenhuma e ainda por cima é um produto economicamente viável duma indústria milionária?

Há uma inércia tranquilizadora, apesar de toda a verdade poder ser dita.

Apesar do slogan, a verdade nem sempre é revolucionária.

Ou será que a verdade nunca poderá "aparecer" no cinema ou na televisão?

Não há aqui um caso de irrealidade do testemunho?

O regresso das distâncias (por falta de gasolina) num país que cresceu para o automóvel é uma visão suficientemente apocalíptica para não "dar razão" à verdade,


Baixa (José Ames)

O PERFEITO ÁLIBI


Browning e os seus "Freaks"


No TCM passou há dias "Freaks" (1932), um clássico de Tod Browning.

É um filme único pelo elenco, constituído na maior parte por anões, homens-tronco e mulheres barbadas. E o seu lugar de encontro só podia ser o circo.

O mundo da produção rejeita estes infelizes que já não têm forma para deformar, mas o do espectáculo acolhe sempre o que pode impressionar a imaginação.

Há uma cena comovente que podia ser o símbolo da estranha irmandade que une estas criaturas exiladas entre os homens:

um homem declara-se a uma das irmãs siamesas, enquanto a outra finge que não é nada com ela. Depois, ele beija a namorada e nesse momento vemos o êxtase no rosto da outra metade.

Uma piada recorrente nesta história é a dum gago que, quando uma das siamesas decide fazer o contrário daquilo que ele exige da outra, arrastando-a consigo, repete como um refrão: vocês têm sempre o mesmo álibi!

sábado, 1 de abril de 2006


Amarante (José Ames)

DELENDA TV

anti-TV display at the Millennium Dome


Fechar a televisão é a única crítica consequente.

Sonhar com um programa ao serviço do povo é pensar que as ideias são o conteúdo da televisão. Pensar que um auditório de milhões pode ser influenciado pela pregação directa ou subliminar é a convicção da publicidade e dos ideólogos de todos os partidos.

Mas está longe de estar provado que o telespectador seja um passivo ruminante de conteúdos. Quando a política pode mudar por um sim ou por um não, tudo se transforma em espectáculo. O maniqueísmo é a única maneira de entrar no jogo, mas o espectador deixa de se divertir no momento em que a televisão se assume como instrumento político. Vê-se assim como a igualdade dos partidos no tempo de utilização e no aproveitamento técnico do medium redunda em pura tautologia.

A juventude, que tem menos resistência cultural à televisão, é em si própria a melhor critica da estupidez electrónica e do império de imagens a que as famílias se submeteram.

Há que tirar a lição desta educação das crianças pelo princípio do prazer.