quarta-feira, 31 de agosto de 2005

TELEMÓVEIS AMIGOS DO CÉREBRO




 

Soube-se hoje pelo “Público” que um grupo de especialistas concluiu no “British Journal of Cancer” que, pelo menos num período de 10 anos, o uso de telemóveis não faz aumentar o risco de tumores cerebrais. 

É caso para dizer que se o resultado do estudo fosse outro, os telemóveis não deixariam de proliferar nas nossas vidas, como o fumo activo e passivo ou a assiduidade à televisão, embora se saiba que o tabaco é a primeira causa do cancro do pulmão e que a TV é uma bomba de neutrões no seio das famílias, destruindo a capacidade de atenção das crianças e a conversação dos adultos.

Já repararam no uso e abuso da figura do marginal nos programas de entretenimento? É o “boneco” com mais sucesso, e revela bem que a televisão, por amor das audiências, não é capaz de caricaturar o telespectador típico.

segunda-feira, 29 de agosto de 2005

ABUSO DE LITIGÂNCIA





A propósito do conceito de abuso de litigância judicial aplicado ao caso do dono duma escola de condução de Lisboa apanhado a 224 kms à hora, e ao facto de graças aos sucessivos recursos não só não ter sido ainda punido, mas de continuar a conduzir, penso num caso semelhante passado num certo sindicato, só que, desta vez, não por excesso de velocidade.

O processo é já tão velho quanto os fariseus do Antigo Testamento que utilizavam a letra da lei contra o seu espírito.

Mas é bem verdade que temos de descobrir tudo outra e outra vez, sem o que a sabedoria que se encontra plasmada na própria linguagem e nos seus provérbios não será mais viva do que a aritmética numa calculadora.
E é certo que este conceito (de abuso de litigância) nos ajuda a lidar com esse tipo de malícia que se estriba na lei para atingir os homens, e que, fortalecida por essa posição, fica ao abrigo de qualquer sanção, por maiores que sejam os prejuízos.

É como uma doença depois de identificada. Parece que já é metade da cura poder dar-lhe um nome.

Ao dizê-lo, separamos as águas.

domingo, 28 de agosto de 2005

CREPÚSCULO INTERIOR



 

Apesar dos equívocos a que se tem prestado, nomeadamente aquilo a que se chama o direito à expressão, reivindicado por uma certa contracultura, a ideia de que o ser humano precisa tanto de absorver como de reflectir as suas sensações e experiências, parece uma evidência. Desde que se entenda que o corpo não é uma esponja nem um espelho.

Aquele que se fecha, só o consegue parcialmente, e condena-se a viver em estado pítico, num crepúsculo em que a luz é quase só memória, e em que o mundo se exprime inexoravelmente. Mas é tal a sua natureza que mesmo esse lusco-fusco é habitado pela divisão de si mesmo.

Pela palavra nos possuímos, separados. Mas o regresso da infância (estado do que não fala), só pode ser como tragédia (ao contrário do “mot” de Marx).

Vem-me esta reflexão depois de ter atravessado as terras solares de Castela e Extremadura diante do silêncio.

terça-feira, 23 de agosto de 2005

ÁRVORE





Though leaves are many, the root is one,
Through all the lying days of my youth,
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.

J.B. Yeats

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

A SOLUÇÃO MELIANA


Tucídides

 
“Vós sabei-lo como nós, tal como é feito o espírito humano, só se examina o que é justo se a necessidade for igual para ambas as partes, mas se há um forte e um fraco, tudo o que é possível é feito pelo primeiro e aceite pelo segundo.”
(os habitantes da Ilha de Melos aos Atenienses que pretendiam massacrá-los - Tucídides, citado por Simone Weil in “Écrits de Londres”)


Num interessante artigo assinado por Jorge Almeida Fernandes, no “Público”, lê-se, a propósito da situação na Palestina:

“Há uma relação de assimetria. O forte tem a potência e pode arrasar o fraco. O fraco tem a arma da "irresponsabilidade"”
 
Israel tem, pois, o poder e a organização, ou seja, responde pelos seus; os Palestinianos não tem uma coisa nem outra e não podem responder por ninguém, o que impede qualquer negociação.

A violência e o ódio são a consequência deste impasse. O conflito está demasiado internacionalizado e mediatizado, as suas ramificações simbólicas são tão extensas que não é possível ao mais forte usar a solução meliana. 

Falar de potências e de conflitos isolados já não faz sentido. No mundo da comunicação instantânea, a velha pecha apontada aos EEUU de quererem ser os polícias do mundo, significa talvez que se sinta a necessidade duma polícia na “aldeia global”, mas que nenhum país é suficientemente forte para tal.

A retirada de Gaza podia ter sido ditada por essa autoridade supranacional, como passo indispensável para uma pacificação gradual. Mas foi o mais forte dos dois antagonistas que fez esse gesto, sem qualquer compromisso da outra parte.
Ora, é como se Israel tivesse lido no futuro que a sua solidez assenta em areias movediças e que a sua tradição espiritual tem vindo a ser convertida em terras e colonatos.

sexta-feira, 19 de agosto de 2005

A VIOLÊNCIA DA RETÓRICA






“Mas a natureza especifica da retórica (da propaganda, da lisonja, da diplomacia, etc) consiste em corromper essa liberdade (solicitar o sim do Outro)"

Emmanuel Levinas

É possível que algum facto jornalístico ponha de lado a retórica, mesmo quando parece apresentar a realidade nua, como num documentário?

Em primeiro lugar, tenhamos presente que há uma retórica do excesso e uma retórica da pobreza. Entre o barroco (que terá passado hoje para o lado da citação e da conotação inter-media) e a falsa modéstia, a que levava a que se apontasse a um cínico que a vaidade transparecia através dos buracos do seu manto, há todo um largo espectro de formas a que também se pode chamar técnica de comunicação ou marketing.

Quando Esther Mucznik (no “Público” de hoje) diz que a cedência unilateral, em Gaza, ordenada por Ariel Sharon é o reconhecimento por parte deste de que nenhum compromisso é possível com o interlocutor palestiniano (porque seria fatalmente acusado de traição) e um acto tão inteligente quanto inesperado da parte do chefe dos falcões israelitas, que forçará uma saída do impasse com maior repercussão do que quaisquer negociações, sabemos que nenhum radical do outro lado verá aí mais do que propaganda, que pretende negar a evidência dum retumbante triunfo da sua própria luta. Aqui a acção militar fala por si e a retórica está apenas nos que comentam ou interpretam, impedindo-os, porventura, de se aperceberem do que há de novo na situação.

A linguagem está sempre entre nós e o sim do Outro. E o acordo poderá servir-se de andaimes pouco estéticos.

quinta-feira, 18 de agosto de 2005

UM PROTAGONISMO IDIOTA






Um dos efeitos da desvalorização da política e da acção é a predominância do espectáculo nas nossas vidas. Em vez de corrermos e exercitarmos o nosso corpo, preferimos ver alguns atletas a suar por nós. Entre a participação num debate ou numa assembleia, que nos obriga a sair de casa e a tomar posição e assistirmos a um confronto televisivo ou à transmissão duma sessão parlamentar, achamos não só mais cómodo como mais esclarecedor o espectáculo.

Neste contexto, é que surgem dois fenómenos que embora sem terem a mesma presença mediática são espécies do que poderíamos chamar de protagonismo idiota: um é a piromania ateada pelas imagens da televisão que só parará, pelos vistos, quando as únicas árvores que poderemos ver serão as do jardim botânico, e o outro é a pichagem delirante que borrou a cidade com garatujas sem poupar o menor espaço em branco.

Ambos são um 'ersatz' da acção (mas sem qualquer valor ou significado, antes revelando o impasse na mente dos seus autores) e utilizam avidamente o espaço dos media televisão e cidade, sem o que não poderiam existir.

A televisão alimenta o vandalismo pirómano dando-lhe o maior palco do mundo, em que todo o tipo de actores e de poderes histriónicos se apresentam; a cidade, pela inércia e o conformismo é um placard panorâmico que nos cerca de todos os lados e através do qual todos nos tornamos um pouco mais vândalos.

domingo, 14 de agosto de 2005

GONGORISMOS


Luís de Gongora (Velasquez)



Li no “Expresso” desta semana uma veemente diatribe de Rodrigo de Sá-Nogueira Saraiva contra os intelectuais (de esquerda, já que não haveria outros; concordo, se nos ativermos a uma tradição que fez deles a consciência moral duma sociedade aparentemente condenada; resta saber se esta sociedade pode, afinal, ser salva, só porque não se vê uma alternativa).

Alguns dos ídolos dos anos setenta, como Barthes, Lacan e Boulez, em algumas frases perdem todo o seu dourado. A beleza do ininteligível de Lacan, a interessante frivolidade de Barthes, a música que se resume a um truque de duas notas, em Boulez, remetem-nos para um novo gongorismo, para as metástases sem má consciência do velho formalismo que estariam na origem da actual confusão de valores e do relativismo triunfante.

Não deixa de ser sedutora essa filiação do chamado pós-modernismo em arte e da perda de sentido de palavras como dever e honra.

No caso de Roland Barthes teríamos de falar em demonismo para explicar a sua espécie de sedução. Mas ele não foi o primeiro a ocupar-se da linguagem e a espreitar por detrás do cenário. A “desconstrução” começou porventura com a análise materialista da língua, percursora, por sua vez, da descodificação do genoma humano. Continuamos a inspirar-nos na natureza, mas mudámos de escala.

Os verdadeiros intelectuais não são mais actores do que o comum dos homens. E todas as teorias têm o seu lugar e exprimem sempre uma pequena parte da vida, ou apenas um ponto de vista pessoal, porque ninguém está no centro das coisas.

Mas a hierarquia (nas ideias) faz-nos falta e isso é uma decisão de cada homem.

quinta-feira, 11 de agosto de 2005

CAMPANHÃ


Campanhã

 
Só o que veio ao meu encontro, ao descer a pé a rua de Justino Teixeira, ontem de manhã!

Chuviscava, depois destes dias de calor, e o granito da calçada deixava evolar-se o cheiro da terra misturado aos aromas do vinagre, de que há ali uma fábrica. Um muro derruído, uma magnólia e as suas folhas em forma de canoa espreitam dum quintal.

Este caminho para Campanhã, com os seus velhos armazéns não perdeu o ar de confim defronte dos campos. Ninguém assoma às janelas à hora em que passo. Pela frincha duma porta, na penumbra, um homem em tronco nu faz a barba. Ninguém diria que estamos a dois passos duma grande estação ferroviária e do novíssimo Metro!

terça-feira, 9 de agosto de 2005

OS GRAFITI SÃO MESMO ASSIM



A desexpressão


O estranho poder da Opinião, mesmo quando se paralisa a si mesma, num eterno sopesar de prós e contras, decidindo-se finalmente por uma equidistância, anémica e sem carácter!

Tive, ontem, mais uma prova de como já não sabemos o que pensar quando pretendemos apenas pensar como os outros, a maioria, as pessoas normais, etc. 

Diante dum amigo que resolveu retomar os estudos, sendo pela sua “décalage” um involuntário analista do meio universitário, lamentava o estado deplorável de alguns edifícios da rua do Breiner, cobertos pelas garatujas que, para mal dos nossos pecados, invadiram as paredes da cidade. 

O meu interlocutor teve esta reacção significativa: - são graffiti! Os graffiti são mesmo assim.

Ante a minha indignação, confessou que não sabia que posição tomar, visto que os graffiti eram mesmo aquilo.

quinta-feira, 4 de agosto de 2005

PORTO DEFUMADO




Podia ser um céu azul cristalino, hoje, à beira-rio, no Porto. Mas uma nuvem de fuligem obscurece o horizonte e vai tomando conta do céu.

Mais um dia de calor, mais quilómetros de floresta ardida, como uma fatalidade.

Uma entidade parece desculpar-nos de irmos todos mais longe: a Seca. Parece que não era assim há quase sessenta anos. E o vento que empurra as labaredas parece um diabo à solta.
Tem de ser possível prevenir e atacar no princípio esta calamidade. Saber se há, na sua origem, uma doença mental endémica ou um comércio frutuoso. Nada há que corrompa tanto o sentimento da justiça como ver soltar um incendiário por não haver lei que o puna. E é mais importante dar aparato à punição justa do que ao sensacionalismo do crime.

Li algures que uma câmara, no nosso país, resolveu ocupar desempregados na prevenção dos fogos. Não sei se é o caminho, mas é algo a enaltecer como experiência.

Os meios são poucos, o voluntariado não alcança a eficácia desejável, são lamentações que se repetem de cada vez.

Uma elite para ocorrer aos fogos no seu início e os meios aéreos indispensáveis podem falhar se tivermos mil incêndios ao mesmo tempo. Mas podemos dar-nos ao luxo de não ter essas forças e esses meios?
Neste momento, entra-me pelo nariz o odor dos bosques incinerados. Pinheiros, carvalhos, eucaliptos, olmos e faias sobem pela chaminé da nossa impotência como vida que se esfuma.

quarta-feira, 3 de agosto de 2005

O PRIVILÉGIO DA DISTÂNCIA MÉDIA

Flores do metrosídero




Mais uma citação musiliana: 

“Nós sabemos que a vida se vai perder tanto nas extensões inumanas do espaço, como na inumana pequenez do átomo, mas entre as duas, não receamos chamar “objectos” a uma simples camada de ilusões, quando só se trata, com efeito, duma preferência acordada às impressões que nos chegam duma certa distância média.”

(“O homem sem qualidades”)


Na rua do Molhe, há um metrosídero que estende o esplendor da sua cabeleira para o passeio, qual Mélissande. Pela Foz, há muitas árvores destas, mas sem flor e quase anãs, que, como uma corte de subalternos antecede o mágico recinto da rua do Molhe.

Gosto de pensar que uma presença destas, fiel, de noite e de dia, na exclamação das suas raízes, é uma abertura do espaço maior do que o dos astronautas, e que, através da sua beleza selvagem, de facto, se superam os limites do olhar e da “distância média”.

Cortem as árvores, e a terra encolherá como uma certa nêspera...