terça-feira, 31 de outubro de 2006


"Cordas" (José Ames)

segunda-feira, 30 de outubro de 2006

TRANSPARÊNCIAS


Mikhail Gorbachev

"Transparência é a nova palavra de ordem, e nada tenho contra isso. Mas quem tem o poder, nomeadamente o Estado e as empresas privadas, sabe bem que "o segredo é a alma do negócio", diria eu, a fonte do poder."

"Como tornar-se doente mental" (J.L. Pio Abreu)


É interessante, a esta luz, interpretar a "Glasnost" de Gorbatchev como um hara-kiri do poder.

Seduzido pela montra das democracias ocidentais e, perdendo de vista o que valeria a pena ser salvo no meio da corrupção do regime e do esvaziamento moral da sua nação, Gorby terá sido, talvez, o mais revolucionário dos ingénuos.


Lisboa (José Ames)

sexta-feira, 27 de outubro de 2006

A LEITURA

http://www.comedition.ch/comedition/home.html


Hoje não se diz que um homem lê muito para significar sabedoria. Diz-se que lê. Se tirarmos a oração matinal do filósofo de Iena, ou a sebenta dos estudantes, a leitura é um esforço sem apoios de nenhuma espécie. O jornal é um guia para a conversação depois do sono. Dá-nos o mundo em títulos, uma história para contar, um programa para a noite ou para o fim-de-semana. Enquanto que os livros de estudo são a iniciação às honras e aos privilégios sempre que a situação do emprego é favorável. Os jovens aprendem na universidade a fazer parte duma classe. Quanto ao uso que podem dar às milhares de horas de estudo, é esquecer o conteúdo do que leram e actualizar a confiança em si mesmos e a força de vontade. Que valor terá a memória escolar diante do computador? Claro que a máquina não sabe o que diz e, sobretudo, não pode dar vida a um pensamento.

Nos livros, o espírito dorme como a bela do conto de fadas. Mas não basta ler, nem decorar. É preciso admirar os autores imortais, buscar com amor o segredo das palavras. Isso só é frutuoso na literatura e nas humanidades. A matemática encerra a beleza mais nua. Mas as fórmulas são tanto minhas, como da máquina. Essa espécie de conhecimento não perde em passar para um cérebro electrónico.

Os que liam para passar o tempo, ou para um fim utilitário, hoje, com menos esforço e menor atenção, constituem a massa dos telespectadores. A lei da inércia e do prazer explica este desprezo dos livros, que é também temor. É curioso pensar que o homem civilizado venha um dia, tal como o primitivo de que fala Mac-Luhan, a venerar a palavra prisioneira da biblioteca.

Mas a televisão é além de tudo o mais um relógio social. Que milhões vejam no mesmo momento uma telenovela e oiçam no mesmo instante uma réplica dos actores, eis o que nem a Bíblia pôde fazer. Uma instituição que acerta o tempo das pessoas e o seu pensamento. Não é pelo que se vê e o que se ouve, mas por este mágico consenso que nos reúne debaixo da lua.

quarta-feira, 25 de outubro de 2006


Porto (José Ames)

terça-feira, 24 de outubro de 2006


(José Ames)

segunda-feira, 23 de outubro de 2006

MOONGLOW


"Picnic" (1955-Joshua Logan)

Há filmes que valem por uma cena.

Quando Kim Novak, no simples vestido cor-de-rosa, despida a coroa e o arminho de rainha de beleza, começa o lento saracoteio de ancas e vem descendo lá do alto estalando os dedos ao ritmo de "Moonglow", atraída pelo homem com quem vai dançar, dentre o grupo sem graça que tropeça na pista, vagabundo inseguro que, magnetizado, encontra a perfeição, todos sabem que estou a falar de "Picnic".

sábado, 21 de outubro de 2006


Aeroporto de Pedras Rubras (José Ames)

NA RUA DAS MINAS




Da rua das Minas, a igreja de S. Pedro da Cova destaca-se à frente do seu exército de mortos no fundo verde dos campos. Nesse reduto, o templo não parece ameaçado pela perda da fé e crise das vocações, nem a horda medieval das motorizadas significa, a julgar pela bela imobilidade e o mármore obsceno das campas, mais do que um moderno interlúdio ou os transitórios sinais da juventude, indómita como deve ser.

É bem verdade que o poder da igreja é o da compreensão da morte. E enquanto o homem for sujeito a paixões, o medo dos medos há-de alimentar a sotaina e encher os consultórios. O que se vê é, além disso, concorrerem todas as forças para uma falsa resolução das paixões, de modo que as pessoas encaram cada vez menos a morte como um problema pessoal que define a atitude perante a vida, para esperarem da sociedade de consumo a resposta industrial ao perfil da sua angústia.

Circunscrito, logo atrás do campanário, o pequeno cemitério exibe a morte talhada das lajes, numerada num livro de entradas e saídas, como se a decomposição e horror da forma descessem ao magma original. A razão impera entre os cabeçalhos que foram túmulos por um momento. Sob o céu meridional, o espectáculo edificante entre todos dir-se-ia anular radicalmente o cadáver. Reunidos numa comunidade de escrita debaixo da protecção do livro milenário, os mortos são já espírito pela virtude das flores e do contraste.

Quem passa pelo lugar da não-vida povoa o caminho de sombras e de sussurros. Por isso, os rapazes que fazem festa no adro, esquecidos do lado dos ciprestes, cobiçando as raparigas, tagarelando, são ainda sabiamente dirigidos pela religião. Todo o movimento da liberdade e da saúde é um contraponto que a perspectiva oferece ao meu pensamento.

O cemitério é como essas formas insidiosas da publicidade moderna. Reunir num só local os mortos é criar um poder simbólico de enorme eficácia prática. Os ritos funerários são apenas uma introdução ao poder. Excluído da cidade, camuflado em parque municipal ou ermo maldito de Las Hurdes, o cemitério faz de cada um de nós um devedor perante os mortos. Devemos-lhes a vitalidade e a alegria dos imortais. Que espantoso operador de eternidade e de desejo da vida, o soalho das igrejas barrocas!

Esta memória é contudo vulnerável ao vírus da idade moderna. A incineração não é o verdadeiro ataque. Ela é um mata-borrão que seca um nome mais depressa. Não. O que é de temer é a própria falta de “razão” para perpetuar o culto dos mortos sob que forma for. A morte volátil. Então creio bem que haverá uma ligação directa entre a sacristia e o luna-parque.

Como era verde S. Pedro da Cova!

sexta-feira, 20 de outubro de 2006

RAZÃO MAIOR


Joseph Ratzinger


O discurso do papa na Aula Magna da universidade de Regensburg é uma peça notável, um contra-ataque teológico à tendência espiritual do nosso tempo.

Ao proclamar a unidade da razão e da fé, levantando o pé-de-vento que se sabe com a citação de Manuel II, o Paleólogo, que vinha absolutamente ao caso na sua argumentação, a Igreja, na sua pessoa, vem, no sentido contrário do que chama as 3 deshelenizações (a Reforma, a auto-limitação da razão das "Críticas" de Kant e o moderna reapropriação multicultural das origens, em prejuízo da matriz grega), defender um alargamento do conceito de razão que vá para além da síntese actual "entre Platonismo (Cartesianismo) e empirismo, uma síntese confirmada pelo sucesso da tecnologia." Porque "este método exclui a questão de Deus, fazendo que ela nos surja como uma questão não científica ou pré-científica. Consequentemente, estamos confrontados com uma redução do raio da ciência e da razão (...)"

E conclui dizendo que só desta maneira "seremos capazes dum diálogo genuíno de culturas e religiões de que tão urgentemente necessitamos hoje em dia."

Infelizmente, dessa razão expandida pouco mais nos fica do que esta frase: "o elemento platónico traz consigo uma questão que aponta para além de si próprio e para lá da sua metodologia."

Defendendo que as visões interiores e a experiência religiosa das diversas culturas são uma fonte de conhecimento deixa, talvez, em aberto a ideia dum espírito universal que transcenderia, numa nova síntese, a razão pura e a razão prática (nos termos kantianos).

A verdade é que o espírito universal é a melhor definição da razão.


"Estigma" (José Ames)

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

O ESTADO NO PELOURINHO


O teatro Rivoli


No texto sobre a questão do Rivoli que hoje li no "Público", acintoso, como um ajuste de contas com as suas próprias ilusões (o trocadilho com a palavra Revolução), Pacheco Pereira parece defender que a melhor política cultural por parte do Estado é a abstenção. Faça este o que fizer, por detrás da "cultura", esconde-se sempre a propaganda. Malraux é citado como um dos primeiros governantes a perceber que investir na "cultura" é garantir "boa imprensa, legitimidade, figuras de cartaz e "nome"".

Seria um pouco como o investimento das fundações para o capital: faz boa imagem e paga menos impostos. Não haveria, pois, cultura desinteressada.

Os críticos da chamada subsídio-dependência (que se poderia alargar a todos quantos dependem do Estado) só podem, de facto, defender o desinvestimento na cultura, quando pretendem restringir o papel do Estado na Segurança Social, na Saúde e na Educação.

Claro que o isolamento e o "solipsismo" dos ocupantes do Rivoli é um facto. E é verdade que a gestão privada não pode ser pior do que o que já temos com a actual política camarária.

O que não se pode é partir do desperdício e da falta de público para uma doutrinária abdicação do Estado.

quarta-feira, 18 de outubro de 2006


"Cláudia" (José Ames)

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

CÚMULOS E ESCARPAS


Etty Hillesum


Numa conversa que hoje li no "Nouvel Observateur", entre a Duras e Miterrand, este evoca uma jovem holandesa a quem o pensamento da morte e dos perigos que a ameaçavam ( e aos seus amigos e familiares ), nunca impediu a alegria de viver, momento a momento.

Etty Hillesum morreu em Auschwitz, em 30 de Novembro de 1943.

"Muitas pessoas me julgariam louca e totalmente estranha à realidade se soubessem aquilo que eu penso e o que sinto. No entanto, vivo com toda a realidade que cada dia me traz. O Ocidental não aceita o sofrimento como inerente à vida. É por isso que ele nunca é capaz de retirar do sofrimento forças positivas.

(...) É preciso saber saber viver sem livros, sem nada. Decerto que um pedacinho de céu permanecerá sempre visível e que eu terei sempre em mim um espaço interior suficientemente vasto para unir as mãos em oração." ("Journal-1941/1943")

A tentação de comparar este tão comovente testemunho com o de Simone Weil (abstraído deste a incomparável dimensão filosófica) é, para mim, quase inevitável.

E enquanto Simone me parece humanamente agreste e até intolerante (em primeiro lugar contra si própria), a pequena judia de Amsterdam tudo parece compreender e acolher no seu imenso coração.

domingo, 15 de outubro de 2006


Estremoz (José Ames)

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

O FUMO QUE DESINFECTA


René Magritte

"Porque toda a gente sabe que este ar terreno, quer em terra quer a bordo, está terrivelmente infectado com as desgraças sem nome dos incontáveis mortais que morreram exalando-o; e como nos tempos da cólera, algumas pessoas costumam andar com um lenço canforado na boca; assim, do mesmo modo, contra todas as atribulações dos mortais, o fumo do tabaco de Stubb poderia ter funcionado como um agente desinfectante."

"Moby Dick" (Herman Melville)

Quantas superstições, agora tidas como a naturalidade dos factos, não serão abandonadas, como casos encerrados, sem que nos ponhamos sequer a questão de saber como pudemos ser tão crédulos e tão ignorantes, como esses marinheiros que acreditavam que o fumo os protegia das doenças.

quinta-feira, 12 de outubro de 2006

UM EXTREMOSO PAI


Sétimo Severo (146/211)


Sétimo Severo, a quem foi dedicado o arco que ainda hoje se pode ver nas ruínas do Forum romano, e em quem Gibbon vê o coveiro do império romano, pela corrupção que fomentou no exército, ficou tristemente célebre por outro motivo ainda: para que o casamento da filha se pudesse comparar ao das rainhas orientais, que era acompanhado por um cortejo de eunucos, mandou castrar cem cidadãos romanos.


Querer o melhor para os nossos filhos pode dar nisto, quando o poder não tem freio nem limites.

terça-feira, 10 de outubro de 2006

MANHÃ DE CHUVA



Como está verde e tufado, nesta manhã chuviscosa, o chão dos plátanos na Circunvalação!

Depois de se passar o rolhão do hospital, o pedal recebe um jubiloso impulso.

Como quando, no alto da subida, Lolita beija um impenitente Humbert Humbert.


"Clássico" (José Ames)

segunda-feira, 9 de outubro de 2006

O CINEMA SHOPPING



Nunca o Porto teve tantas salas de cinema e tão poucas oportunidades de ver bom cinema, independentemente de ser americano ou um êxito de bilheteira.

Como metástases, um mesmo tipo de filmes prolifera de centro comercial em centro comercial, e um imenso tédio se apodera de nós, fazendo-nos voltar as costas às salas de projecção.

Depois que fecharam a Casa das Artes e o Nun'Álvares, o que nos resta?

Vi "Transe" na salinha do Campo Alegre.

Estamos reduzidos a isto?

sexta-feira, 6 de outubro de 2006


"Bacanal" (José Ames)

quinta-feira, 5 de outubro de 2006

O CRITÉRIO DA PRAXE


heartless.weblog.com.pt/arquivo/206904.html

Hoje, no "Público", alguém tratou de barbárie aquilo em que se tornou, em tantos casos, o ritual das praxes académicas.

Ao atravessar, esta manhã, o jardim da Praça da República, e ao ouvir os cantos e as palavras de ordem de alguns estudantes que as capas negras pastoreavam, com a seriedade dos grandes momentos, mas pacificamente, não pude deixar de encontrar naquela opinião um certo exagero.

É verdade que as tradições, por muito veneráveis que sejam, correm sempre o risco de degenerarem por influência dum meio que já não tem nada a ver com o espírito que presidiu à sua origem. O ritual de passagem, hoje, pode estar a ser desviado para uma comédia do senhor e do escravo.

Muita gente abomina a personalidade dos grupos, que pode chegar ao exclusivismo. Mas apesar dos abusos, que será sempre necessário corrigir e que, em primeiro lugar, devem suscitar a revolta dos "caloiros", não vejo muitos outros antídotos à atomização consumista e à massificação.

Nisto de tradições, de resto, quem pode decidir quais são as boas ou as más raízes?


Gaia (José Ames)

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

LA LIBERTÉ


www.hammergallery.com/.../Steber/Steber_Bill.htm

"O prisioneiro, ignorando a sua prisão, está em sua casa."

Emmanuel Lévinas


Um homem pode sentir-se preso neste planeta e até na sua galáxia, se a pudesse conhecer mesmo de longe.

Por outro lado, nenhum cubículo o impedirá de se sentir livre e parte do mistério que o cerca.

Mas digam-lhe que ele é prisioneiro dos seus hábitos e das leis sociais, e logo ele sentirá que ter de comer todos os dias ou ter de respeitar a proibição do fumo é uma prisão.

A necessidade de se sentir em casa, porém, é mais forte do que o espírito inquisitivo, e ele fechará os olhos a tudo o que for preciso para se sentir chez soi.