segunda-feira, 31 de julho de 2006


"Back to the ship" (José Ames)

METROSSÍDEROS


http://fragmagens.blog.simplesnet.pt

O Homem do Leme, na Foz, no seu capote ao vento e chapéu escorrendo água, arrosta o mar embravecido da tempestade.

Mas isso é no fundo, muito lá no fundo de nós.

Neste instante, a luz do verão inundou tudo e o seu chapéu bóia entre as copas dos metrosíderos.

METROSSÍDEROS



O Homem do Leme, na Foz, no seu capote ao vento e chapéu escorrendo água, arrosta o mar embravecido da tempestade.

Mas isso é no fundo, muito lá no fundo de nós.

Neste instante, a luz do verão inundou tudo e o seu chapéu bóia entre as copas dos metrosíderos.

domingo, 30 de julho de 2006

EVOCAÇÃO DE TURNER


Joseph Turner: "Sunrise with Sea Monsters (detail)"

Esta manhã em Vila do Conde, havia sol na areia e névoa em cima da água.

De tal modo que os penedos e os corpos como lulas fantásticas, quase tão imóveis como aqueles (não havia ondas), pareciam ficar por detrás duma vidraça ou fazer parte dum fresco em que se empregasse o "sfumato" abundantemente, em contraste com as cores vivas dos guarda-sóis. Um silêncio estranho contribuía para que tudo parecesse parado.

Intriga-me cada vez mais este culto. Já não é o da saúde, visto que são cada vez mais os avisos de que o sol mata. Do quê então?

sábado, 29 de julho de 2006


(José Ames)

sexta-feira, 28 de julho de 2006

A FALTA DO SUJEITO


Karl Marx, circa 1839


"Nós sentimo-nos confrontados com aquilo que Marx chamava um "processo sem sujeito", conceito que foi reformulado nos anos de 1950 pelo teólogo protestante Jacques Ellul.

Nem a economia, nem as tecnologias, nem a comunicação mediática parecem já verdadeiramente governadas pela vontade humana. Estes dispositivos, estes "processos" obedecem em primeiro lugar - e essencialmente - a causalidades estruturais e a avanços "sem intenção".

Jean-Claude Guilleband ("La grande inquiétude" - Etudes - Revue de culture contemporaine)


Esta passagem que colhi duma revista dos Jesuítas é estranhamente sedutora. Dum ponto de vista religioso, ela retoma a análise do jovem Marx dos "Manuscritos Filosóficos", cujo espírito prometeico é evidenciado por esta vontade de encontrar um sujeito para o processo histórico. O Homem deve poder controlar as suas condições de existência.

Foi nesse espírito que, por exemplo, as nacionalizações da Revolução de Abril puderam representar, durante um tempo, uma espécie de passagem do centauro para o homem.

Mas a ingenuidade não explica tudo. A grande síntese hegeliana preparou a nossa cultura para ver esse lugar vazio no comando, ocupado antes, evidentemente, por Deus.

O meu comentário é este: quando é que os vários "processos" em acção no mundo tiveram um sujeito, antes da filosofia inventar tanto esse sujeito quanto os ditos processos?

terça-feira, 25 de julho de 2006


Alpes (José Ames)

quinta-feira, 20 de julho de 2006


(José Ames)

A REDUÇÃO DAS CABEÇAS



As imagens da destruição provocada por Israel no Líbano são demasiado eloquentes. Os danos colaterais revoltam o espectador ( mas talvez reconfortem o fanático).

Na outra guerra pelo sentido, essas imagens já julgaram.

Não haverá mais nada a dizer?

Que imagens podem opor a isso o medo do futuro e a insegurança permanente? Não são mediáticos, de modo nenhum.

No mundo da televisão (não teremos de nos desintoxicar antes de procurar compreender?), um Estado armado até aos dentes esmaga um povo a quem roubou a terra. O terrorismo e a política das potências regionais que cercam esse Estado não contam perante a bandeira do povo despojado. Até os mísseis disparados contra Haifa são uma justa retaliação, sem se ver que amanhã poderão, com a mesma facilidade, trazer o nuclear. É certo que Israel já tem a bomba. Mas não é o Estado que acredita numa segunda vida.

Os espectadores dividem-se. Mas não podem ser justos perante esta guerra.

A nossa única esperança é que uns e outros encontrem uma força maior que os obrigue a enterrar o passado e a sair da espiral de violência.

Esta já não é uma guerra entre fortes e fracos ( por que haveríamos de limitar a força ao aparelho militar?).

Há mais irracional nesta guerra do que em qualquer guerra recente.

Não resisto a citar a passagem em que Elias Canetti ("Masse et Puissance") se refere aos Jivaros do Equador, que encolhem a cabeça do inimigo:

"Para eles não há morte natural; se alguém morre, foi um inimigo longínquo que o enfeitiçou. O dever dos seus é descobrir quem foi responsável pela sua morte, e vingar esta no autor do enfeitiçamento. Toda a morte é assim um assassínio, e todo o assassínio só pode ser vingado com outro assassínio."

quarta-feira, 19 de julho de 2006


Alfama (José Ames)

terça-feira, 18 de julho de 2006

NÃO ROUBARÁS!



Ewa, a avó passa por ser a mãe de Ania, porque Majka, a verdadeira mãe era demasiado jovem e o pai professor na escola que Ewa superentendia.

Em desespero, Majka rapta a própria filha, mas é incapaz de se ver reconhecida como mãe pela criança. As fugitivas são por fim encontradas, pela família, numa estação de província. Majka mete-se sozinha no comboio.

O 7º episódio de "O Decálogo" mostra-nos um caso de amor possessivo e maternidade usurpada.

A avó nega à sua filha o amor de mãe (depositara nela demasiadas esperanças) e reclama Ania como seu bem exclusivo.

É então possível ser-se injusto vivendo para outro ser (noutro ser), quando se rouba esse papel?

terça-feira, 11 de julho de 2006


Cork (José Ames)

segunda-feira, 10 de julho de 2006


"Camafeu" (José Ames)

MENTIRA SALVADORA


No segundo episódio do "Decálogo", de K. Kieslowski, uma mulher enfrenta o dilema de abortar do único filho que pode ter, mas que não é do marido, se este sobreviver a um estado comatoso ou, no caso contrário, ser mãe e seguir o outro homem.

Ao intimar o médico a dar-lhe a certeza que ele não pode ter, pergunta se compreende que possa amar os dois homens.

O velho esquiva a resposta, mas, para salvar o bebé, acaba por jurar (contra a deontologia profissional), que o marido não tem qualquer hipótese.

No final, o morto regressa à vida e, agradecendo ao médico, comunica-lhe que vai ser finalmente pai.

Não sabemos se já sabe a verdade, ou se ela lhe será revelada um dia.

Mas nada parece, de facto, mais importante do que a nova vida.

MERGULHADORES


Um taxista, em Dublin, ao saber que sou português, comenta que não me devo sentir muito feliz (foi no dia seguinte ao "penalty" de Zidane).

Puxando por ele, consegui a sua opinião sobre os nossos jogadores, que proferiu com uma gargalhada, logo seguida dum pedido de desculpas:

- No matter! They'll always make a living as divers!"

domingo, 9 de julho de 2006

BUCÓLICO ENGARRAFAMENTO


Sandcove (José Ames)


A Irlanda não tem a nossa velocidade automóvel. As principais estradas atravessam cidades ( ontem, demorei uma hora numa exasperante procissão, sob chuva, pelo centro de Ennis), como as nossas há uns anos.

Outra coisa é a informação. Nunca vi tanto ciber-café com tantos jovens se acotovelando.

Depois de reestruturarem o aparelho produtivo, utilizando os fundos europeus nessa dolorosa transição, vão poder agora virar-se para as auto-estradas.

Entretanto, parecem ter resolvido o problema do desemprego, através do crescimento económico, e o seu salário mínimo é já de 1.326,00 € (2005).

A nossa escolha foi outra. Preferimos criar condições à espera da iniciativa e dos sacrifícios voluntários.

Sendo o turismo, em princípio, o grande beneficiário das melhores estradas, é irónico que a Irlanda, justamente, apresente o seu fraco desenvolvimento nesse domínio como um atractivo turístico...


Irlanda (José Ames)

O PÁSSARO DE RYAN



Estreia nas Low Cost. Um lindo canário de uniforme azul pela coxia: - Any rubbish?
E a seguir o que parece o pio dum pássaro acima das nuvens: kiu, kiu.

A democratização do espaço aéreo começou. É ver a multidão que se junta no "check-in".

quarta-feira, 5 de julho de 2006


(José Ames)

O INTELECTUAL-ENTERTAINER



No café, antes do jogo com a Inglaterra, algumas mulheres do povo falavam de futebol e dos jogadores. Uma delas foi ao ponto de confessar que, de nervosa, até dava chutos, sentada a ver o jogo na televisão.

Este é um sinal impressionante da mudança nos costumes e no gosto dos sexos. Estamos cada vez mais iguais, tirando " la petite différence".

Isso é, talvez, menos o resultado da luta pela emancipação feminina do que do prodigioso avanço da sociedade de massas.

Com maiores consequências ainda é a mudança de função dos intelectuais.

Como diz Hannah Arendt, "O que daqui resulta não é, claro, uma cultura de massas - a qual, estritamente falando, nem sequer existe - mas um entretenimento de massas que se alimenta dos objectos culturais do mundo." ("A crise na cultura").

O que já pertenceu ao mundo da cultura é, portanto, modificado, vulgarizado, para ser consumido, como qualquer outro produto, pela sociedade de massas.

O futebol, fenómeno de massas por excelência, com a sua mística popular, tem o condão de precipitar o fim de algumas referências que identificavam a sociedade anterior à massificação.

O fim dos intelectuais, enquanto agentes duma verdadeira cultura e reserva dos mais altos padrões do passado é o que mais salta à vista. Subitamente, passou a verificar-se uma unanimidade universal e é interminável já a lista dos intelectuais que, tal como os políticos, sem qualquer pudor, apregoam as suas paixões clubísticas ou nacional-desportivas, cortejando o gosto popular, como se fora dele não houvesse salvação.

Este novo tipo de intelectual, "muitas vezes culto e bem informado", de que alguns comentadores da televisão são o paradigma, tornaram-se assim uma espécie de sacerdotes do kitsch.

terça-feira, 4 de julho de 2006

A PROVA DO PUDIM



"Não existe um outro mundo. Nem sequer este existe. O que há então?
O sorriso interior que em nós suscita a inexistência patente de um e de outro."

E. M. Cioran ("Ébauches de vertige")

Ah! como eram fáceis os tempos em que se podia dizer que a melhor prova da existência dum pudim era comê-lo!

Agora a sério. Posso aceitar que nada existe (assim como podemos dizer que Deus não existe, sem com isso negarmos a relevância, para os homens, da questão), dum ponto de vista cósmico.

Só conhecemos o nosso mundo, mas podemos pensar que ele é realmente nada no meio do que o ultrapassa.

O sorriso interior não é a favor nem contra este destino. É um arco-íris sobre a gesticulação humana.


Alentejo (José Ames)

domingo, 2 de julho de 2006

THE DEADLY SERIOUS COWBOY



Lynch é um mestre da imaginação.

O som e os silêncios são nele mais importantes do que noutro que eu conheça.

Transformam a "wonderland" do cinema num lugar sinistro a que uma Alice de província (Betty) traz um optimismo alucinado.

O rendez-vous nocturno com a personagem do "cowboy", inverosímil e ridiculamente anacrónica, mas tanto mais perturbante, constitui um momento sobrenatural de cinema.

Mesmo aí, o besouro da lâmpada a fundir-se, junto da caveira do deserto, é o que mais nos impressiona.

ACIDENTE TUDO





Um dos solitários da plataforma petrolífera, no belo filme de Isabel Coixet, explica por que é que o suicídio de um deles foi reportado como acidente. Ele tinha mulher e dois filhos, que assim iam receber qualquer coisa. E, porque, no fundo, era na verdade um acidente.

Sim, tudo foi resultado do acaso ou da má sorte, como se quiser.

O facto de precisar dum emprego perigoso e depressivo, e do melhor amigo ter emprestado à sua mulher as "Cartas duma freira portuguesa".

Milão (José Ames)

sábado, 1 de julho de 2006


(José Ames)

INCENSOS DE ÓPERA


"La Luna" (1979 - Bernardo Bertolucci)


O que nos leva a ser tão indulgentes com este filme, que acaba tão bem, é a ideia da psicanálise. Já foi um lugar-comum interpretar o conflito básico da família em termos de função sexual e luta entre o princípio do prazer e o da realidade. É só aborrecido que este mito moderno não seja tratado como poesia.

Há no filme uma demonstração desnecessária. Uma boneca russa dentro de outra. Esta viagem à procura do nome do pai – da herança, do território, do modelo que se ergue sobre o barro materno – corresponde a um tema literário ou à psicologia natural? O adolescente injecta-se de heroína porque não lhe importa a vida. A mãe como pessoa não lhe interessa. Verdi deixa-o indiferente, apesar de ser como um pai para Catarina. Não podemos deixar de pensar na actual crise da família que é uma crise da palavra do pai.

A televisão apareceu como um politeísmo usurpador na casa familiar. Deu às crianças um simulacro do poder mágico sobre o mundo que era exclusivo do adulto. E a fonte da linguagem social e dos modelos de identificação passou a ser outra. Ninguém viveria um momento sequer com a peste dentro de casa, se pudesse correr com ela. Mas todas as barreiras foram vencidas. Não dispomos de nenhuma arma contra uma inclinação tão natural.

Os estupefacientes, os jovens cansados de viver, os adultos que regressam à infantilidade, sinais dos tempos. Mas há quem insista em ver no fenómeno de decadência espiritual apenas o conflito de gerações. Bertolucci dá ao filme uma conclusão que em linguagem política se podia chamar de reaccionária.

Mas não esqueçamos que é um italiano, e que, ao tempo do filme, os jovens no seu país resolviam o complexo de Édipo pelas armas.