terça-feira, 22 de agosto de 2006

PODER E VELOCIDADE


www.cameraviajante.com.br


Um "capo" dirige os motins da sua célula.

A prisão não lhe impede os movimentos, porque ele não é apenas um indivíduo. Os tentáculos artificiais atravessam todas as divisórias. Mesmo morto o homem, o seu fantasma pode continuar a magnetizar os espíritos.

Já antes do telemóvel houve várias incarnações do dr. Mabuse. Mas a velocidade das reacções vem pôr a nu a puerilidade destas afirmações de poder.

Se não me dás um ecrã gigante para ver o Mundial, levas.

Como Tom Sawyer dizia: - se eu quiser, bato-te.

Bastava-lhe traçar uma linha no chão e desafiar outro miúdo a ultrapassá-la.

O poder e a velocidade são psicóticos.


(José Ames)

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

A MORTE VIRTUAL




"O sentido da vida" dos Monty Python (1983) acaba com a Morte conduzindo um grupo de atónitos comensais (que poderia ter saído dum filme de Buñuel), "ceifados", após a ingestão dum paté envenenado, para um estúdio de televisão.

Vão continuar, como sombras, a mesmíssima e insignificante vida que dantes levavam.

Moral da história: não há Céu nem Inferno, apenas uma geral distracção que se repete no modo virtual, como um "reality show".

Bem achado!

Aeroporto (José Ames)

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

O SABER SEM SUJEITO


Beladona


"Quatro jovens beberam chá de uma planta com efeitos alucinogénios apenas pela "experiência"

Um adolescente madeirense morreu anteontem depois de beber um chá à base de uma planta - conhecida como erva-do-diabo ou beladona - que existe nos jardins portugueses.(...)"

Público de 18/8/2006

"A beladona deve o seu nome ao facto de ter sido utilizada como um agente tonificante da pele das mulheres do século XVIII. Mas a ingestão de beladona em doses elevadas pode provocar alucinações, náuseas, cegueira ou a morte.(...)"

(ibidem)

O nome popular, erva-do-diabo, protegia os leigos de a tratarem sem os cuidados e o temor devidos ao desconhecido.

Mas o colosso da informação e do saber objectivo saídos da lâmpada maravilhosa da Internet, só com a sua aparição fez com que tudo o que existia antes parecesse tacanho e supersticioso.

Na Madeira, descobriu-se uma espécie ainda mais perigosa desta planta, a beladona virtual.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

ALICE EM BICOS DE PÉS


Alice no País das Maravilhas

Aprendemos a falar, imitando. Mas uma criança que imita a conversa dos adultos não tem consciência da diferença.

Falta-lhe uma meta-linguagem, um juízo acima das regras do jogo.

Os crescidos que lhe acham graça, de facto, negam-lhe a aprendizagem e impedem-na de crescer.

O que é realmente engraçado, numa criança, é a forma (que ninguém lhe deu) e a incompreensível liberdade (sendo de todos dependente).

terça-feira, 15 de agosto de 2006

OS MÓVEIS


"Móveis" (Giorgio de Chirico)


Que óptima ideia a das bibliotecas de praia!

Um barraco a ocupar a preciosa areia, em Leça, como a estela indecifrável duma outra civilização.

Não haverá outra forma de estimular a leitura que vá mais ao encontro das necessidades dos jovens, que não tem de ser directa e, sobretudo, não tem de revestir a forma dum sarcófago que os isole do triunfal paganismo balnear?


Porto (José Ames)

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

KATYUSHA, MON AMOUR



Se eu posso ver a minha casa no Google Earth, como é que o exército israelita, com toda a tecnologia de que dispõe, não sabe donde são disparados os "katyusha"?

Tenho de pensar que há uma outra razão para a retaliação falhar tão completamente. É porque esses mísseis estão espalhados por entre a população civil e, apesar de tudo, o Estado judeu não pode tratar as vidas humanas com o mesmo desprezo dos seus inimigos.

Admito até que esses milhares de civis que guardam os mísseis na própria carne se sacrifiquem de bom grado, porque, para eles, a guerra é popular e santa. Todos terão, além disso, um filho, um pai ou um irmão na guerrilha, e não haverá muita diferença entre esse sacrifício e o dos antigos germanos que expunham a família nos combates com os soldados de Roma.

Por outro lado, sabemos que a relativa humanidade de Israel é o preço a pagar para não alienarem o pouco apoio que ainda têm e, especialmente, o dos EEUU.

Dito isto, está bom de ver que aqui se joga tudo o que dá sentido a uma civilização, e os métodos germánicos são um retrocesso impensável. Não parece haver, de facto, qualquer limite moral ou psicológico para um fanatismo frio e eficaz como este.

O Terror tornou-se planetário e ninguém se pode considerar isento ou acima das partes.

domingo, 13 de agosto de 2006

HIPERCAUSAS



James Dean (1931/1955)


Numa loja de Vila do Conde, um blusão vermelho, como o de James Dean, no filme de Nicholas Ray.

Mas onde estão hoje os rebeldes sem causa?

Os anos 60 e 70 parecem ter esgotado as causas. Hoje, a rebelião comprova-se apenas pela forma desesperada com que os jovens se conformam aos "valores" icónicos duma cultura pretensamente jovem.

Como se a única causa que lhes restasse fosse tornar a publicidade mais real do que a realidade.

sábado, 12 de agosto de 2006


"A goat" (José Ames)

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

A VIDA POR UM FÓSFORO


http://www.mccullagh.org/image/10d-3/the-burn-3.html

Assim, a floresta está sempre por um fósforo, o clique dum isqueiro, uma perisca displicente.

A mata do Gerês, incinerada, a de S. Pedro do Sul, incinerada, a de Barcelos, incinerada.

A estrada de S. Pedro da Cova para Valongo é um pulmão carbonizado que nos deprime ao longo de vários quilómetros. Ah! quantos caminhos ali calcorreei pela sombra dessas árvores agora mortas!

Mas onde há mais vida, é assim também.

Centenas de homens, mulheres e crianças, reunidos num aeroporto, num avião, num café, num centro comercial estão presos ao apelo inaudível do deserto.

A alucinação dum homem ou dum grupo pode ditar a sua sentença de morte.

Heróis, próteses iluminadas do divino, figurações duma tragédia que debalde tentamos esconder no admirável mundo do faz de conta.


Porto (José Ames)

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

O ABANDONO DOS FRACOS


Charles Darwin (1809/1882)


"É curioso pensar que, em caso de necessidade, a natureza nos administra o mesmo tratamento para a dor que o médico receita para o doente que sofre."

"Ao Encontro de Espinosa" (António Damâsio)


O nosso cérebro protege-nos da dor, com os seus próprios meios, só até certo ponto.

A natureza, sem dúvida, não a considera útil em todos os casos. Mas por que haveríamos de sofrer fisicamente senão para evitar um perigo, como um aviso?

Claro que o Homem tem de ir mais longe do que esse oportunismo natural.

Porque a maior parte do sofrimento parece inútil e apenas nos torna a vida impossível.

E talvez seja essa a "ideia" da natureza. Ela abandona os fracos e apressa-lhes o fim tirando-lhes a própria sombra da alegria.


Porto (José Ames)

segunda-feira, 7 de agosto de 2006


"Boa Morte-Porto" (José Ames)

O MAIS FORTE


Survival of the Fittest

É difícil isolar a crítica do Estado de Israel do tão amado anti-americanismo da esquerda europeia.

Este sentimento anda sobretudo ligado à ideia de imperialismo. Mas de que império se trata?

Um império que perde todas as guerras em que se mete e que integrou na União as suas únicas colónias.

É claro que a "dominação dum Estado sobre vários povos ou Estados", na definição do dicionário da Academia Francesa, não está dependente, hoje, da ocupação militar, como no tempo do modelo de todos os impérios: o de Roma.

O poder americano está alicerçado na sua economia, na inovação tecnológica e na influência duma indústria cultural planetária, coisas que, quer se queira ou não queira, não podem deixar de criar um poderoso "campo magnético" à sua volta.

Neste contexto, a ideia de imperialismo faz parte das explicações rápidas, que permitem a escolha dum campo, nem que seja apenas em teoria.

É evidente que o apoio sistemático à política do Estado judeu, por parte da maior potência militar e do único "império" do mundo condena Israel a ser, de longe, o mais forte. A ponto de parecer ridícula a hipótese de existir uma ameaça real à sua sobrevivência.

E isso apesar da superpotência estar visivelmente a arrastá-lo, por inércia, para uma clamorosa derrota.

domingo, 6 de agosto de 2006

LETRA DE MÉDICO



Parece que, segundo uma notícia do "Público", a famosa letra de médico já deu lugar, nos EEUU, a uma condenação ( foi motivo duma prescrição errada).

Embora um estudo, logo contrariado pelas conclusões de outro, tenha vindo desvalorizar esse fenómeno, como distintivo da classe médica, o povo talvez tenha razão.

Por que é que, na ocasião em que é mais necessária a legibilidade (porque a saúde ou a vida do doente podem estar em perigo), se escreve esotericamente?

Não é por acaso que houve um tempo em que se falava de "sacerdócio", a propósito desta profissão.

Do fundo dos tempos, a origem religiosa e o espírito de casta parecem ditar ainda os hieróglifos das receitas que vamos aviar nas farmácias.

Mas é coisa que tende a juntar-se à ideia do sacerdócio com a utilização do computador.

sábado, 5 de agosto de 2006


Areinho (José Ames)

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

AQUI NO PASSA NADA!


"A Casa de Bernarda Alba" de Frederico Garcia Lorca



Ouvi hoje no café um espírito confuso suspirar pelo regresso de Salazar (não, não era um velho).

Porque não haveria tanta liberdade, tanto crime, tanto assalto.

É o medo que levanta os muros e nos encerra numa "Casa de Bernarda Alba":
- Aquí no passa nada!

quarta-feira, 2 de agosto de 2006


"Delfos" (José Ames)

terça-feira, 1 de agosto de 2006

DA IMPORTÂNCIA DOS PIOLHOS


Macacos rhesus


"Catar os piolhos, não importa o que digam os sociólogos, é a forma fundamental e original das trocas sociais entre os macacos rhesus.

Os macacos e, num menor grau, os antropóides, passam uma grande parte do dia nestes cuidados mútuos."

Zuckerman, citado por Elias Canetti ("Masse et Puissance")


Num mundo em que um vírus, sem qualquer dos arsenais que fazem o poder de destruição dos Estados, tem a capacidade de dizimar milhões de humanos, não há nada que seja totalmente insignificante.

Nenhum começo é pequeno de mais, nem o da perseguição dos piolhos.