segunda-feira, 17 de abril de 2006

A VIA TRAUMÁTICA


"A Paixão de Cristo" (2004-Mel Gibson)

"A verdade, que é sempre um bocado maior do que a realidade. A verdade que fala por hipérboles exactas. "Levai daqui o meu cadáver" diz Édipo."

"Os Imperdoáveis" (Cristina Campos)


Resisti a ver a "Paixão" de Mel Gibson, quando passou nos cinemas. Vi-a agora na televisão, enquadrada na programação pascal.

O repúdio de alguns dos meus amigos em relação ao "gore" hiper-abundante deste filme, visivelmente bem intencionado e tecnicamente competente, com a introdução eficaz da figura do Sedutor, não pude deixar de senti-lo na cena da flagelação.

A história evangélica, tantas vezes contada, aqui tropeça fragorosamente na intenção de chocar e de convencer, como se a arte se tivesse esquecido dos seus limites e da sua natureza para se propor uma repelente, porque hipócrita, imitação da vida.

Como Hitchcock, que nunca perdia de vista a reacção da plateia e por isso tinha uma relação libertina com a verdade, não se coibindo de nos enganar, para nosso deleite, com os seus "McGuffins", Mel procura, sem dúvida, um efeito piedoso garantido pela via traumática.

Mas aqui estamos precisamente a lidar com a Verdade e não nos é permitida a libertinagem de Hitchcock.

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