"Ele pergunta-se "é isto belo? o que eu experimento? é admiração? é isto a riqueza de colorido, a nobreza, a força?" E o que lhe responde de novo é uma voz aguda, é um tom curiosamente questionador, é a impressão despótica causada por um ser que não se conhece, toda material, e na qual nenhum espaço vazio é deixado à "largueza da interpretação". E é por causa disso que são as obras verdadeiramente belas, se são sinceramente escutadas, que mais devem decepcionar-nos, porque na colecção das nossas ideias não há nenhuma que responda a uma impressão individual."
"Le côté de Guermantes" (Marcel Proust)
Critério que, sendo inteiramente justo, nos deixa sempre confusos. Porque também não podemos ter a certeza de que a nossa desilusão, o nosso eventual desagrado não são motivados por um carácter original, mas a que nunca chamaremos de "verdadeiramente belo".
E a menos que nos socorramos da célebre reversão shakespeareana do belo e do horrível para negar a estética da aparência, a favor da profundidade, da interpretação do que está por detrás das formas, ficamos, como o viajante que atravessa um país de que não conhece a língua, emersos na perplexidade, da qual só sairemos pela mudança do gosto colectivo ou pelo prazer do reconhecimento, quando a forma se repete, porque faz já parte da nossa "colecção de ideias".
Repare-se ainda na sinceridade da escuta que Proust reclama. Quer dizer, só quando nos "desarmamos" de certos preconceitos, com os quais mentimos a nós mesmos, sabendo e não sabendo que o fazemos, podemos perceber a verdadeira individualidade da obra.
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