"A confusão das línguas" (Gustave Doré)
A destruição da torre de Babel, no "Génesis", tanto pode ser vista como um castigo divino, para punir o orgulho dos homens que pretendiam alcançar o céu, como um acto defensivo para impedir que o alcançassem.
A mitologia está cheia de lutas pelo poder entre os deuses e entre estes e os que são menos que deuses.
Curiosamente, já não vemos na unificação linguística uma vantagem para a humanidade, nem a solução para os conflitos. Hoje devemos encarecer a diversidade, sob todas as suas formas, à medida que o avanço da chamada globalização acossa as espécies da natureza e as tradições culturais e linguísticas até à extinção ou à museologia.
Mas o que eu queria era, de facto, falar no filme de Alejandro Iñárritu que tem esse título ambíguo: "Babel" (2006).
Nele se conta a história duma carabina que muda das mãos dum turista japonês para as de duas crianças, filhas dum pastor marroquino, e que, com ela, por brincadeira atingem uma mulher americana que viaja com o marido pelo deserto. Os filhos deste casal ficaram ao cuidado duma ama mexicana que, com eles, atravessa a fronteira para assistir ao casamento do filho, acabando todos por ser abandonados no deserto por um sobrinho embriagado. Por fim, há uma surda-muda, filha do primeiro detentor da arma, no tempo dum safari em Marrocos, e que vive emparedada no silêncio e na memória duma mãe que se suicidou com um tiro na cabeça.
Mas em tudo isto a que vem Babel?
A tragédia tem vários gatilhos, todos disparados pela loucura dum indivíduo diferente em cada caso e igual a qualquer de nós.
Não há meio dos homens se entenderem, porque a verdadeira causa dos seus actos não está neles, nem é determinada pela razão.
É, de facto, como se falassem línguas diferentes e intraduzíveis.
Nunca alcançaremos o céu, senão como naquele final, à beira do abismo, no alto da torre iluminada contra o céu da colmeia humana, em que pai e filha se reconciliam, sem palavras, lançando sobre as feridas o bálsamo do perdão.
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