sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

DUAS CRÍTICAS


"In critique of judgment, lost boy" (Ralph Steeds)

http://www.uncp.edu/art/steeds/gallery.htm

Quando a religião se separa da filosofia, fica só a crítica (Alain). Sem um ponto de apoio que é sistema, não há crítica.

Que as coisas realmente importantes estejam fora de discussão e para sempre inacessíveis ao logos, eis uma ideia que choca à primeira vista. O problema da origem e da validade absoluta do pensamento não pode ser resolvido, e o homem, sempre à procura de respostas, encontra-as, infalivelmente, sem avançar um passo na questão metafísica.

A nossa vida baseia-se então num mundo de provas e de leis empíricas que se justifica em última análise pela sua simples eficácia. Contudo, esta magra ração não enche a humana medida. O facto de se formular o problema da verdade além da justiça e da moral, como fundamento do sujeito e da natureza pensante, obriga-nos ao salto mortal da razão e a todas as decisões urgentes da afirmação vital. Apaixonamo-nos, portanto, por uma coerência que não é lógica, o racionalismo defende-se com a certeza do instinto.

É de dentro dum sistema que se critica a sua falha, a sua traição ao modelo. Ou doutro que vive da morte do que critica. Mas neste caso é fácil de ver que a crítica é menos uma oposição real do que um expediente para a passagem e a sucessão, uma astúcia do “aufhebung”. Esta crítica não pode compreender. Pelo contrário, a sua eficácia estratégica depende do erro de interpretação.

O conhecimento recíproco gera o equilíbrio. Se a crítica desmascarasse o sistema, este seria eterno. A recuperação do marxismo não é o efeito paradoxal da sua pertinência? Onde foi certeiro o ataque, o sistema tornou-se a imagem da sua crítica, organizou-se à sua custa, tomou consciência de si através das ideias que lhe dão combate. E é a parte utópica e ingénua do marxismo que pulsa ainda fora do coração do sistema. Não admira por isso que o reformismo, a crítica endógena, tenha tido uma história mais consequente.

A ideia de que a acção humana é incompatível com a desordem social e de que não é possível criar um sistema novo sobre as cinzas do passado é a lição da sabedoria. Enquanto a ideia generosa está no céu, pode inspirar os homens no caminho duma maior justiça. Mas a tomada do poder é o túmulo da revolução, porque a violência, seja ela a dos oprimidos, faz escravos em vez de homens livres. E como o medo não pensa e a tristeza mata, eis a justiça perdida e de resto tornada desnecessária. Viver ocupa todas as forças.

A crítica, por isso, que sabe de si própria? Mesmo a perfeição do sistema não autoriza a que o homem se torne um crítico. Pensar é mais do que isso e faz mais falta.

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