"A filha de Jethro" (Botticelli)
"Verdadeiramente há um progresso sensível, dizia-se ele no dia seguinte; vendo exactamente as coisas, eu não tinha ontem qualquer prazer em estar na sua cama: é curioso, achava-a até feia."
E, decerto, era sincero, mas o seu amor estendia-se muito para além das regiões do desejo físico. A própria pessoa de Odette não tinha nele um grande lugar."
"Du côté de chez Swann" (Marcel Proust)
Ocorre-me o "mot" de Lacan: "Il n'y a pas de relation."
Swann apaixonou-se por uma mulher que não desejava e que não era "o seu tipo". Pintou-a com as feições da filha de Jethro do Botticelli da Capela Sixtina, achou-lhe o mistério e a imprevisibilidade de qualquer ser independente e livre, que a dissimulação e a infidelidade da amada tornavam mais denso e complicavam.
Não era o desejo do desejo que perseguia, a identificação ou a posse (Bernardo Soares diz que não se possui coisa nenhuma), a não ser como aquilo que o fazia sair dum estado de esterilidade moral.
E comparo isto ao jogo dum actor versátil como Peter Sellers, por exemplo, o qual, através das várias máscaras foge de si mesmo numa alucinada relação com o outro.
Neste caso, o realismo da metamorfose dá a medida do prazer.
0 comentários:
Enviar um comentário