"O Juízo Final" de Miguel Ângelo
Quanto mais admiro os frescos do "Juízo Final", a terribilità daquelas figuras, o paganismo daqueles corpos em audaciosas poses que se agarram e contorcem sob o olhar do juiz implacável ( não já o doce predicador da Galileia), como a matéria que o fogo consome, mais milagroso me parece que tenham chegado a ser pintados naquele ambiente e durante séculos conservados, e que a maior ameaça ao seu significado tenha sido uma camada de tinta para cobrir as partes pudendas daqueles gloriosos nus.
É verdadeiramente um choque de religiões e essa admiração e espanto explicam outros milagres como o do Panteão de Roma ter escapado aos bárbaros e Santa Sofia a uma religião de guerreiros do deserto.
Por detrás de Miguel Ângelo está, evidentemente, o prestígio da Antiga Grécia que produziu o Renascimento e deu Aristóteles à Igreja e, com as suas obras de arte, a sublimação da natureza de que precisava uma religião dada a macerações e ao desprezo do corpo.
E é o corpo intratável que por todo o lado se liberta nos frescos da Sixtina.
Haverá melhor exemplo do poder e independência do ícone sobre a verdade do artista, quando pensamos nas cerimónias que ali têm decorrido já lá vão quinhentos anos?
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