sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

A ESCOLHA DOS DENTES



"Estrepsíades:
- Antes de mais nada, que estás a fazer? Diz-me, por favor.
Sócrates:
- Caminho pelo ar e examino o Sol.
Estrepsíades:
Então é de uma cesta que observas os deuses, e não da terra, pelo visto?"

"As Nuvens" (Aristófanes)


É de sempre a incompreensão do homem prático pela teoria. Mesmo na idade de oiro da Filosofia, era assunto de comédia a falta de bom senso do sábio nefelibata. E a imagem de Tales a cair num buraco enquanto olhava para as estrelas é de todas a mais eloquente.

Mas já devíamos saber que foi apesar dessa falta de sentido prático e por essa aérea indagação de astros e deuses que foi possível todo o progresso do pensamento e da ciência, o qual nos levou também à concepção do direito e da dignidade do ser humano.

As maiores descobertas da humanidade foram feitas por homens eventualmente destituídos de competências que consideraríamos normais, que viviam nas "nuvens" e contemplavam os astros do fundo do poço em que, por distracção, tinham caído.

E é agora que se pretende negar essa evidência, em nome da "performance", do rendimento e dos resultados.

Ao banirem a Filosofia do sistema de Ensino, os governantes mostram-se "modernos", no pior sentido. Porque se falha na transmissão duma herança que, apenas ela, justifica o que somos, e em vez disso se restringe o passado à entrega de armas para as novas gerações competirem e vencerem no mundo do dinheiro.

Como nem todos poderão enriquecer, prepara-se-lhes um futuro em que terão por mais que certa companhia a derrota e a frustração.

Sem a formação do espírito, resta à Escola tratar dos maxilares e dotar os vindouros de bons dentes para uma luta ao nível da selecção "natural".

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