"La Luna" (1979-Bernardo Bertolucci)
A falta da bofetada que separa o corpo da mãe é “La Luna”. Personagem do “Trovattore”, deusa nocturna iniciadora dos ritos primordiais. Interruptor simbólico do prazer, fonte de todas as energias e de todos os mistérios do corpo. Catarina ensina o filho a reter a urina para fazer em cima da bicicleta com a mãe pedalando na halo divino. Entre eles, um pai postiço, americano, que não exerce a lei. Quando morre duma síncope, sem tratamento, fechado já na urna automóvel, Catarina volta a cantar. O canto é a Itália, a juventude e o verdadeiro pai. Uma longa digressão pelo teatro incestuoso e pela auto-mutilação separa-nos do epílogo paterno. Resumida naquela arbitrária imposição da mão forte, está a realidade que se tornou sonho e imaginação. O homem preso no novelo maternal quer salvar o adolescente com o gesto fundador da ambivalência. Catarina, a mãe, tem a sua voz, o seu passado. Ele abandona Joe que finalmente reconstituiu a sua história, deixa-o seguir o seu caminho, a sua ópera. E esse italiano que lhe deu a bofetada e olha para trás comovido, enquanto ouve a récita de Verdi? Também ele se tornou adulto e pode amar a voz de Catarina. Pode pelo menos escutá-la sem paixão, sem ser como uma ofensa à mãe.
O que nos leva a ser tão indulgentes com este filme, que acaba tão bem, é a ideia da psicanálise. Só aborrece que este mito moderno não seja tratado como poesia. Há no filme uma demonstração desnecessária. Uma boneca russa dentro de outra. Esta viagem à procura do nome do pai – da herança, do território, do modelo que se ergue sobre o barro materno – corresponde a um tema literário ou à psicologia natural? O adolescente injecta-se de heroína porque não lhe importa a vida. A mãe como pessoa não lhe interessa. Verdi deixa-o indiferente, apesar de ser como um pai para Catarina. Não podemos deixar de pensar na actual crise da família que é uma crise da palavra do pai. A televisão apareceu como um politeísmo usurpador na casa familiar. Deu às crianças um simulacro do poder mágico sobre o mundo que era exclusivo do adulto. E a fonte da linguagem social e dos modelos de identificação passou a ser outra. Ninguém viveria um momento sequer com a peste dentro de casa, se pudesse correr com ela. Mas todas as barreiras foram vencidas. Não dispomos de nenhuma arma contra uma inclinação tão natural.
Os estupefacientes, os jovens cansados de viver, os adultos que regressam à infantilidade, sinais dos tempos. Mas há quem insista em ver no fenómeno de decadência espiritual apenas o conflito de gerações. Bertolucci dá ao filme uma conclusão que em linguagem política se podia chamar de reaccionária. Mas não esqueçamos que é um italiano, e que alguns jovens no seu país resolviam, na altura, o complexo de Édipo pelas armas.
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