Catacombs of Callistus
A catacumba está fora da visão e por isso o poder pode ser surpreendido. O olho triangular não domina esse labirinto dos mortos. O seu dardo certeiro precisa de luz e da distância suficiente para ler.
Bastava que o desafio existisse por um momento para pôr fim ao reino absoluto do Único. Os pequenos territórios estagnam porque o rebelde encontra um déspota indolente e fraco. O ar do império forma redemoinhos inconsequentes no enclave sem horizontes.
Se é verdade que a primeira necessidade política é a segurança – mesmo o herói precisa de confiar quando dorme -, homem nenhum pode iludir o poder absoluto sem sacrifício do sono. E aí está a grande esperança de toda a servidão: que a maior força precisa de se tornar em fraqueza e contar com a fidelidade e o medo dos outros. É como se Gulliver mudasse do país dos anões para o país dos gigantes durante o sono.
O despotismo interessa-se pelos vivos. Só é preciso pôr sentinelas junto dos mortos quando eles ressuscitam. A região dos mortos que tem espaço para novos inquilinos e para o trabalho dos que transportam e arrumam os despojos, quando não para a contemplação dos túmulos, é o lugar ideal para a conspiração. A cidade dos jacentes, do último destino de toda a acção comunica esse silêncio hostil a toda a vaidade revolucionária e a perspectiva do tempo mais solene que relativiza todas as coisas.
As catacumbas fizeram os mártires iluminados do circo. O olhar que perscruta a superfície tem medo que o olhem debaixo de terra. Por isso é mais seguro o cemitério ao ar livre ou a cripta gerida pelos sacerdotes. A noite continua a ser a metáfora mais geral do inimigo da ordem. O mundo da imaginação revela-se para muitos a saída para a rebelião individual. Ou a selva do guerrilheiro, a poesia. Mas o déspota aprendeu pelo seu lado a controlar os esgotos e o crocodilo de cada sanita. A espalhar os mortos pela cidade, a recensear. A polícia desceu ao reino da clandestinidade e trouxe a notícia fatal para a tranquilidade do tirano: as catacumbas estão em toda a parte. O homem, no seu íntimo, despreza, se é livre, o medo de quem oprime que é a principal causa do seu excesso. Rebelde no espírito, não é a ordem que sonha destruir. Mas o pensamento da servidão e da miséria.
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