terça-feira, 18 de março de 2008

A VIA MISTERIOSA



"A noção de mistério é legítima quando o uso mais lógico, mais rigoroso da inteligência conduz a um impasse, a uma contradição que não se pode evitar, neste sentido em que a supressão dum termo torna o outro vazio de sentido, que colocar um termo obriga a colocar o outro. Então a noção de mistério, como uma alavanca, transporta o pensamento para o outro lado do impasse, para o outro lado da porta impossível de abrir, para lá do domínio da inteligência, acima dele. Mas, para atingir o que está para além do domínio da inteligência, é preciso atravessá-lo até o fim, e atravessá-lo segundo um caminho traçado com um rigor irrepreensível. Doutra maneira, não se está além, mas aquém."

"La Connaissance Surnaturelle" (Simone Weil)


Há, evidentemente, uma diferença entre o que não pode ser compreendido pela inteligência por limitação desta (seria o caso de fazermos parte de um plano duma inteligência superior, não necessariamente divina) ou por uma irremediável falta de elementos (como se compreenderia a actualidade se toda a memória de um qualquer século se perdesse?) e uma problemática.

Tudo o que é passível de vir a ser compreendido, por via de qualquer descoberta ou de novas informações é um problema.

O mistério de que fala Simone é outra coisa, em primeiro lugar porque ela supõe a transcendência. Mas o uso de metáforas oriundas da mecânica e da física (alavanca, energia) é indício de que o mistério não é sinónimo de impotência.

Como alguns físicos dizem hoje da teoria quântica, não é o facto de não a compreendermos que a torna menos eficaz.

A noção de transcendência talvez fosse fatal para a Ciência, tal como a compreendemos hoje. Devemos, porém, estar conscientes de que existe uma dimensão da realidade muito para além do que pode chegar a ser definido como um problema.

2 comentários:

antónio davage disse...

Mas o que é que realmente separa esse 'para além' do conhecimento - filosoficamente, é claro - do referido aquém, isto precisamente tendo presente que não há nada que possa ser definido como 'o fim' que seria suposto atravessar-se?

De outro modo, usando uma imagem da geometria, o que nos pode garantir que a linha de mistério pertença ao plano de conhecimento?

Depois disto: não deixa de se compor uma estranha semelhança entre o crente (Weil) e o epistemologicamente) céptico (Wittgenstein)? Estou errado?

José Ames disse...

1.Nada separa o além do aquém que possa ser medido pelo "espírito de geometria", para dizer como Pascal.

2. Mas Simone acreditava num "conhecimento" místico.

3. Só que para Wittgenstein não havia
qualquer diferença entre o aquém e o além...