"O senhor Juarroz", encenado por João Luiz
Quotidiano é uma daquelas palavras que precisamos de "forçar" para nos darem o seu segredo. Porque a maior parte da nossa vida decorre sob esse signo e o que esquecemos vem quase todo daí, o quotidiano presta-se à interpretação dos sonhos e a ser a chave duma existência.
O espectáculo que o "Pé de Vento" nos oferece é uma colagem da poesia de Roberto Juarroz "Poesia Vertical" e dum texto de Gonçalo Tavares, tendo como fundo a pintura de Magritte.
Rui Spranger é um senhor Juarroz fenomenal. Os seus gestos bruscos e grunhidos, a sua ginástica expressiva dão ao seu desempenho uma dimensão poética, hiperbólica como a fábula, que é a forma de contar por interposição do mecânico ou do não-humano. Tudo isto é graficamente acentuado pela composição feminina (Patrícia Queirós), dum bom-senso corporal.
"Para um analfabeto, escrever é um trabalho manual, pensava o senhor Juarroz." (GT)
Este absurdo é o que nos mostra a peça duma maneira magistral. A gesticulação do actor podia ser o comentário de outro analfabeto que interpretasse o cogitar como um acto físico: algo como o coçar-se ou mudar de posição no mesmo lugar.
O teatro da Vilarinha é um edifício vermelho, "antigo posto alfandegário da cidade do Porto, que foi convertido em lugar destinado às artes do palco em 1996", que se ergue isolado à face da Circunvalação.
Não foi o menor dos sortilégios conhecer esse ambiente que o desprezo dos portuenses pelo teatro tornou quase esotérico.
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