Etty Hillesum (1914/1943)
"Outra lição desta manhã: a sensação muita nítida que a despeito de todos os sofrimentos inflingidos e de todas as injustiças cometidas, eu não consigo odiar os homens. E que todos os horrores e as atrocidades perpetradas não constituem uma ameaça misteriosa e longínqua, exterior a nós, mas que nos são próximas e emanam de nós mesmos, seres humanos. Elas tornam-se assim mais familiares e menos assustadoras. O que é terrível é que os sistemas, desenvolvendo-se, ultrapassam os homens e cerram-nos no seu punho satânico, tantos os autores como as suas vítimas, da mesma maneira que grandes edifícios e torres, no entanto construídos pela mão do homem, se erguem acima de nós, nos dominam e podem desabar-nos em cima e nos sepultar."
"Journal 1941/1943" (Etty Hillesum)
Assim se exprime nos anos da guerra esta admirável Etty, pouco antes de, também ela, desaparecer num campo de concentração.
Por um lado, nesta confissão de que lhe é impossível odiar os seus carrascos, temos mais do que o amor cristão ou o estranho fascínio pelo seu destino, que caracterizou a atitude de tantos judeus perseguidos.
É preciso considerar a jubilosa saúde de um corpo, tal como o vemos nas páginas do diário, amando e pensando, com toda a liberdade e felicidade.
O ódio é o princípio oposto, que estrangula a vida, a razão apenas fornecendo os argumentos para apertar até onde for preciso.
E depois é verdade que os sistemas estão sujeitos a sismos e a derrocadas, e que mais vale pormo-nos a salvo e sair debaixo dele, se for possível, do que nos envenenarmos em bílis.
Em sociedade, a simples mecânica explica muito do comportamento humano.
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