quarta-feira, 6 de junho de 2007

O SER COMO ALDEIA DE POTEMKINE


Catarina II


"Toda a construção da diferença ontológica é uma aldeia de Potemkine. Só foi montada para permitir eliminar tanto mais soberanamente, graças à tese do ente como modo de ser, a dúvida em relação ao ser absoluto."

"Dialectique négative" (Theodor Adorno)



Adorno empenha-se, neste livro, na demolição da filosofia existencialista de Heidegger. Lido já um quarto das suas páginas, confesso-me rendido à crítica desta laboriosa tautologia que se protegeu do mais espesso dos nevoeiros germânicos.

Mas claro que não é com duas frases que se despacha uma questão tão difícil. Prefiro deter-me sobre o emprego, por Adorno, da expressão "aldeia de Potemkine".

Potemkine foi o ministro da guerra de Catarina II da Rússia. O seu biógrafo pôs a circular a ideia de que este ministro, para enganar a soberana e a opinião pública, fizera erguer ao longo do trajecto imperial pela província, verdadeiras aldeias de cartão.

Esta metáfora supõe que Heidegger se tivesse dado conta que estava a construir um embuste (mas com que finalidade?). Aposto que acusá-lo de tautologia o incomodaria mais do que de colaboracionista.

Apesar de tudo, acredito que a má-fé não pode alimentar a obra de uma vida. De certa maneira, os logocratas, como diz Steiner, têm sempre razão.

0 comentários: