Há acontecimentos-charneira que traem uma mudança cultural ou uma reformulação dos valores por que se pauta uma sociedade.
O reality show holandês ("The Big Doner Show"), durante o qual uma doente terminal de 37 anos vai decidir em directo quem irá receber os seus rins é um desses acontecimentos.
O público que geralmente participa nesses programas parece ter abdicado de um espaço privado que ainda tem sentido para a maioria das pessoas. Mas o espectáculo de "violação" consentida da intimidade, sob a luz da cena artificial, não pode deixar de afectar o espectador que morbidamente participa na destruição do seu imaginário, substituindo o incognoscível pelo "dejà vu" e o labirinto pelo plano iluminado.
Este processo é, assim, o contrário de uma revelação.
Faltava, mas evidentemente era apenas uma questão de tempo, que a morte e a doença e tudo o que só se pode transformar em espectáculo depois de uma total reconversão dos valores, fossem também anexados à programação e introduzidos no "Grande Acelerador de Partículas" que é a televisão.
A acusação de mau-gosto é pateticamente ineficaz. Quanto mais "motivada" e "sanguínea" não é a justificação dos produtores e do canal de televisão ao afirmarem que o "Big Donor Show" "visa chamar a atenção para a escassez de órgãos para transplante" !(ver "Público" de 30/5)
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