Telégrafo de Morse
"Vê aí o telégrafo!...Ao pé do divã. Uma tira de papel que deve estar a correr.
E, com efeito, duma redoma de vidro posta numa coluna, e contendo um aparelho esperto e diligente, escorria para o tapete, como uma ténia, a longa tira de papel com caracteres impressos, que eu, homem das serras, apanhei, maravilhado. A linha, traçada em azul, anunciava ao meu amigo Jacinto que a fragata russa Azoff entrara em Marselha com avaria!
Já ele abandonara o telefone. Desejei saber, inquieto, se o prejudicava directamente aquela avaria da Azoff.
- Da Azoff... a avaria? A mim?...
Não! É uma notícia."
"A Cidade e as Serras" (Eça de Queirós)
Continuamos a encontrar nos dias de hoje homens e mulheres que se poderiam rever naquela diferença de tipos que o romancista nos apresenta.
Mas enquanto a atitude do Zé Fernandes podia ser levada à conta do isolamento serrano de que ele não tinha culpa - e sabemos que, no fundo, havia aí muito de ironia, conhecendo nós a futura conversão do seu amigo -, o homem que hoje lhe corresponde é um refractário sem desculpa, não havendo já berças sem televisão. Como se diz nas empresas: resiste à mudança.
Quanto ao Jacinto que víamos no romance a ganhar corcova e com aquele tique de "apalpar a caveira", sobretudo saciado e definhando num perpétuo aborrecimento, no meio das últimas conquistas da "civilização", está hoje ainda mais transformado.
A sociedade de consumo, além de multiplicar o tipo jacíntico, graças à democratização, acabou de vez com o ennui.
E é a energia do ritmo frenético desse consumo que impede a conversão dos nossos "parisienses" em apóstolos da nova Tormes.
Sem que isso prejudique o enorme sucesso das escapadas do turismo.
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