"A estupidez, segundo ele, é pior que a maldade. Esta última pode ser punida e emendada, mas a estupidez, essa corta-nos as pernas e a respiração. É o que acontece com a mulher-a-dias que acaba de lhe deitar fora um capítulo inteiro do seu manuscrito porque viu papéis usados e riscanhados sobre a mesa. Não tocou no papel branco. E ele tem de fazer tudo de novo.
As pessoas serão más por serem estúpidas, ou estúpidas por serem más? Poderemos mudar três vezes de opinião sobre o assunto durante um dia (vendo bem, a mulher-a-dias de Casanova talvez fosse má, mais ainda do que ele supunha)."
"Casanova, o admirável" (Philippe Sollers)
A mulher-a-dias de Casanova teria hoje razão se tivéssemos passado um rascunho para o computador. Ela estava apenas desfasada do seu tempo. Teria ela imaginado que ele escrevia para pôr ordem nos seus pensamentos ou como quem desfia as contas dum rosário?
Ante a alternativa que Sollers nos propõe, ser-se mau por estupidez parece-me a mais conforme à tradição filosófica. Alain dizia que méchant é o que cai mal (mal échoir), logo que não é livre no momento em que perde o equilíbrio. Era também a opinião de Platão: ninguém é mau voluntariamente (com verdadeiro conhecimento).
Por outro lado, é uma verdade psicológica que a maldade, seja ela o que for, nos torna estúpidos, monomaníacos, apresentando-nos o mundo à medida da nossa paixão.
Casanova era capaz deste tipo de maldade. "Para se vingar de alguém, corta o braço de um morto e mete-o, de noite, entre os braços de alguém que está a dormir e que morre de medo." Estaria aqui a origem daquela cabeça de cavalo que se vê no primeiro "Godfather", o filme de Coppola?
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