"Luminoso porém e ainda sem sombras,
como um bosque de bétulas em Abril,
quente, vazio e patente estava o pudor."
"Nascimento de Vénus" (Rainer Maria Rilke, tradução de Paulo Quintela)
O poeta descreve-nos a deusa emergindo das águas tal como a célebre pintura de Botticelli a fixou para sempre.
Num movimento cinematográfico (se não estivesse desajustado quanto ao espírito, quase diria com um toque de Borowicz), o corpo magnífico é percorrido com um olhar descendente:
"a sombra esbelta das pernas foi cedendo,
os pés abriram-se e resplandeceram
e os tornozelos vivos quais gargantas
de homens que bebem."
Depois o olhar sobe ao ventre para ficar preso naquele porém e vibrar na cadência dos três adjectivos finais da estrofe: quente, vazio e patente.
O hino à beleza é interrompido por uma espécie de violência, o princípio de um temor emboscado.
E a verdade é que os versos finais nos falam da morte:
"Mas ao meio-dia, na hora mais pesada,
ergue-se o mar mais uma vez e arroja
um delfim àquele mesmo lugar.
Morto, roxo e aberto."
Que abertura é esta senão a do segredo mais íntimo?
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