quarta-feira, 1 de outubro de 2008

O NASCIMENTO DE VÉNUS




"Luminoso porém e ainda sem sombras,

como um bosque de bétulas em Abril,

quente, vazio e patente estava o pudor."


"Nascimento de Vénus" (Rainer Maria Rilke, tradução de Paulo Quintela)


O poeta descreve-nos a deusa emergindo das águas tal como a célebre pintura de Botticelli a fixou para sempre.

Num movimento cinematográfico (se não estivesse desajustado quanto ao espírito, quase diria com um toque de Borowicz), o corpo magnífico é percorrido com um olhar descendente:


"a sombra esbelta das pernas foi cedendo,

os pés abriram-se e resplandeceram

e os tornozelos vivos quais gargantas

de homens que bebem."


Depois o olhar sobe ao ventre para ficar preso naquele porém e vibrar na cadência dos três adjectivos finais da estrofe: quente, vazio e patente.

O hino à beleza é interrompido por uma espécie de violência, o princípio de um temor emboscado.

E a verdade é que os versos finais nos falam da morte:


"Mas ao meio-dia, na hora mais pesada,

ergue-se o mar mais uma vez e arroja

um delfim àquele mesmo lugar.

Morto, roxo e aberto."


Que abertura é esta senão a do segredo mais íntimo?

0 comentários: