terça-feira, 7 de outubro de 2008

DESONERAÇÃO


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"É precisamente contra este peso da pessoa culta que se ergue a vaga de desoneração provinda dos novos media. (...) É verdade que o utente não pára de escolher - na medida em que, à sua maneira, tem de prestar justiça à qualidade cumulativa de acontecimentos cognitivos que se sucedem uns aos outros. No entanto, o que recolhe não são experiências, isto é, complexos de saber integrados sob forma pessoal, narrativa e conceptualmente ordenados: são endereços onde poderá dispor de agregados de saber mais ou menos formatados se, por uma razão ou por outra, quiser recorrer a eles."

"Palácio de Cristal" (Peter Sloterdijk)


Desonerar é também aliviar a carga da memória que na escola de outros tempos, dizia-se, era a principal função do saber. Decorar os nomes dos rios e dos seus afluentes ou das estações da linha de comboio ( a propósito, no filme de Kurosawa, "Madadayo", há um ex-aluno que homenageia o velho professor recitando o nome dos apeadeiros durante todo o convívio, como um autómato ), ou aprender a história dando relevo à narrativa e às personalidades era algo que permanecia gravado, mas sem ajudar à compreensão das coisas.

Foi esta ideia de que é melhor ensinar a pensar do que sobrecarregar a memória que motivou alguma vontade reformista.

Infelizmente, em vez de se ensinar a pensar, promoveu-se o uso de conceitos ideológicos "passe-partout" (como o de sistema e o de estrutura) que prepararam a entrega da inteligência às modernas ferramentas (as calculadoras e os "Magalhães").

Como diz Sloterdijk, não sabemos mais, nem compreendemos melhor, mas julgamos saber o endereço onde se pode saber, se um dia precisarmos.

O resultado é que o saber, de facto, não nos modifica, porque não está em nós. É um álibi que permite apenas considerarmo-nos mais avançados do que, por exemplo, o homem da Renascença.

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