quinta-feira, 16 de outubro de 2008

A INSUSTENTÁVEL LIGEIREZA


W.A.Mozart (1756/1791)


"Isso faz-me pensar em alguém (um poeta surrealista na época) que achava que faltava a Casanova o "sentido do trágico". Mas, pelo contrário: o sentido do tempo, do instante, a sensibilidade para cada situação do tempo, implicam uma fina percepção do negativo. O próprio Stefan Zweig achava Casanova ligeiro: "Ligeiro como uma efémera, vazio como uma bola de sabão." Aí estão os propósitos superficiais da pseudo-profundidade (muito espalhada e, finalmente, clerical). Mozart é dilacerante e ligeiro. O amor, tão forte como a morte, é feito para triunfar dela. Trata-se de ser atento e sério, eis tudo."

"Casanova, o admirável" (Philippe Sollers)


Nesta cópula está a solução para um enigma que há muito me questionava. Como conciliar o autor das cartas à Bäsle, em que se puxam as barbas do menos sisudo, e os compassos verdadeiramente trágicos do Requiem? Era o mesmo homem, num período feliz da sua vida, mal saído da infância , e mais tarde (mas não muito mais tarde, lembremo-nos de que morreu jovem), às portas da morte?

Não, não. O que Sollers diz não é que ele tenha sido, em tempos diferentes, ligeiro e grave, mas que no mesmo momento era ambas as coisas. Que o segredo dessa música não está no temperamento, mas na lucidez.

A escatologia da correspondência seria tão trágica quanto a abertura do Don Giovanni. Ele ri-se sobre o abismo.

Como em Casanova, no mar dos acasos, os encontros são o aceno de Deus. Na música e no amor, a mesma liberdade.

Oiçamos as palavras deste libertino tão mal classificado:

"Aqueles que, independentemente de tudo, adoram a Providência, só podem ser bons espíritos embora culpados de transgressão."

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