quinta-feira, 23 de outubro de 2008

A PRISÃO ELECTRÓNICA




Tivemos há anos um crítico de televisão que disse uma vez numa entrevista que tinha dezassete anos de prisão electrónica. Ora, essa afirmação era o indício de que tinha demasiadas razões para não mudar de ideias.


Não adianta discutir com um homem assim. É melhor tomá-lo, com as suas ideias, como uma natureza. Uma árvore não pode deixar de ter os nós que tem. Se a sua veemência era descortês e surda, era a atitude de um homem que precisava de falar mais alto para não se trair. Como a prisão sem metáforas que tinham conhecido alguns dos seus amigos, os milhares de horas agarrado ao posto da televisão eram as provas dadas que lhe permitiam uma superioridade moral e o direito de profetizar.


Mas fechar a televisão seria a única crítica consequente. Ele dizia amá-la, e que era por isso que se doía. Sonhava com um programa ao serviço do povo, porém, era óbvio que o que ele queria era um jornal com outra doutrina, como se as ideias fossem o conteúdo da televisão.


Pensar que um auditório de milhões pode ser influenciado pela pregação directa ou subliminar é a convicção da publicidade e dos ideólogos de todos os partidos. Mas está longe de estar provado que o telespectador seja um passivo ruminante de ideias e sugestões. O poder da televisão talvez que não se conte em votos, embora haja uma política que é um jogo de pose e maquilhagem diante da câmara. Quando a política pode mudar por um sim ou por um não, tudo se transforma em espectáculo. O maniqueísmo é a única maneira de entrar no jogo, e o espectador deixa de se divertir no momento em que a televisão se assume como instrumento político. É então quando se mostra mais utilitária e mais imprescindível à participação de milhões de pessoas que há razão de dizer que a política é feita pela televisão.


Vê-se assim como a igualdade dos partidos no tempo de utilização e no aproveitamento técnico do medium redunda em pura tautologia. É o acaso que decide a votação dos indecisos e o que importa para os políticos é estar presente nesse jogo. Mas ninguém pensa o seu voto a partir da televisão, quer a democracia funcione, quer a ditadura. Porque neste caso é o contrário do que diz o poder que é a verdade, e isso não é ainda um pensamento político.


A juventude, que tem menos resistência cultural à televisão, é quem critica a estupidez electrónica e o império de imagens e de som a que as famílias se submeteram. Há que tirar a lição desta inteligência mutilada e desta educação das crianças pelo princípio do prazer. Ser prisioneiro duma profissão que se serve do medium electrónico, não é o melhor caminho para o explicar.


Mas, no fim de contas, a fé não se discute e só a hipocrisia merece ser desmascarada.

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