Uma mulher nua entrega-se a uma solitária celebração do corpo numa espécie de bunker alcandorado nos Alpes. Acena às sentinelas que a observam pelos binóculos. É Eva Braun.
Aleksandr Sokurov, em "Moloch" (1999), faz dela uma espécie de manager sentimental do tirano. Nas suas próprias palavras, é a única pessoa que lhe faz frente, que lhe diz algumas verdades incómodas sobre si mesmo, que é um hipocondríaco, temendo o cancro e a velhice, um fraco que perde o ânimo ao menor dos achaques, uma "mulher parida", como as mulheres gostam de dizer dos homens.
Essa audiência junto do ditador é essencial ao rendimento da personagem que ele quer representar para o mundo. Com Eva, tira a máscara e mostra-se como um Ubu em cuecas. Ela permite-se muito mais do que o bobo da corte, devolvendo-lhe a imagem dos afectos estropiados.
A descrição do ambiente paranóico do salão do Berchtesgaden, o castelo-fortaleza nos Alpes da Baviera, com alguns dos figurões do regime e as suas consortes, movendo-se como títeres ao sabor dos humores de Adi (Adolfo para Eva) na mais abjecta lisonja, é magistral.
Numa das excursões pelos caminhos da montanha para as quais o ditador arrasta o bando, depois de se ter rendido ao seu cansaço nervoso, no meio da mímica ridícula dos circunstantes, vemo-lo dançar desajeitadamente e até caçar borboletas.
Não podia ser maior o contraste entre a insignificância daquela corte e o poder devastador de que ela era aparentemente a cabeça.
Mas há melhor indício de que a "máquina" já funcionava sozinha?
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