domingo, 15 de julho de 2007

O SPAGHETTI DOS COMUNISTAS




Ainda o filme de Francesco Rosi. Depois de sabermos que a estúpida potestade de Eboli proibia os dois comunistas de se falarem, a imagem do prato coberto por causa da chuva e aquele assobio para chamar o outro significam, da forma mais nua possível, que de todos os proscritos, só eles não tinham sido amnistiados. A comida, pelo que tem de mais quotidiano e de obediência à necessidade, surda aos rogos do homem, dá bem a ideia dessa solidariedade profunda que dispensa as palavras.

Sacrificados por esse poder mesquinho, os dois homens tornam-se maiores do que eles próprios são. A mudez e a interdição de falar parecem mais eloquentes do que a poesia. E não só aos olhos dos camponeses que sofrem sem escândalo a mão pesada da injustiça, mas aos seus próprios olhos. O Estado, grosseiramente, dava um rosto à suas vítimas. Isolando os políticos da vida da terra onde mergulhava a ventosa fiscal, o poder desobrigava-se da ancestral e incompreensível calamidade dos campos, para se mostrar como uma força humana simplesmente injusta.

O homem oprimido morre duma certa maneira. E a sua vida torna-se um símbolo liberto das pequenas servidões que pesam sobre qualquer homem. Esses comunistas, como todos os mártires de que se orgulha o partido, sobem ao céu da mitologia moral. Não são mais pessoas privadas, com direito a mudar o seu próprio destino. Porque a linguagem dos heróis deve conservar a beleza e a sua forma imutável.

O star system produziu alguns desses mitos que infalivelmente devoram a carne. Quando se morre jovem e prometendo o impossível, mais o sacrifício e o trabalho da morte é nítido. Esta aproximação do mártir e da vedeta pode parecer frívola. Mas o homem é o mesmo ser espiado pela morte e pelo fracasso em todos os papéis. Os bastidores convidam-nos a uma maior prudência. Por outro lado, quem pode julgar do heroísmo dos que sofrem a tortura? Nem a todos é dado o mesmo temperamento e a mesma saúde dos nervos. Dir-se-ia antes que é preciso fazer heróis, contra eles próprios se preciso for. Isso é dar armas à justiça.

Mas os comunistas de Eboli têm mais do que a ideia de ser heróicos: essa amizade castigada que se troca no prato de spaghetti. É como se eles dois fossem investidos da sagrada função de representar o melhor da humanidade. Frente à parede do ódio e da ignorância, o espírito assobia. Mas é preciso compreender que esta grandeza é de todo o homem e não do comunismo. E que mesmo se o carrasco sabe o que faz, não sabe o principal: que é o outro que os salva a ambos. E talvez isso se vislumbre no rosto bondoso de Volontè.

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