domingo, 1 de julho de 2007

DUAS CRÍTICAS


http://eldeann7.chez-alice.fr/PFE/index_pfe.htm



Quando a religião se separa da filosofia, fica só a crítica (Alain). Sem um ponto de apoio que é sistema, não há crítica. Que as coisas realmente importantes estejam fora de discussão e para sempre inacessíveis ao logos, eis uma ideia que choca à primeira vista.


O problema da origem e da validade absoluta do pensamento não pode ser resolvido, e o homem, sempre à procura de respostas, encontra-as, infalivelmente, sem avançar um passo na questão metafísica. A nossa vida baseia-se então num mundo de provas e de leis empíricas que se justifica em última análise pela sua simples eficácia. Contudo, esta magra ração não enche a humana medida.


O facto de se formular o problema da verdade além da justiça e da moral, como fundamento do sujeito e da natureza pensante, obriga-nos ao salto mortal da razão e a todas as decisões urgentes da afirmação vital. Apaixonamo-nos, portanto, por uma coerência que não é lógica, o racionalismo defende-se com a certeza do instinto. Todos os argumentos se sustentam como ruínas e dentro dum sistema que se critica a sua falha, a sua traição ao modelo. Ou doutro que vive da morte do que critica. Mas neste caso é fácil de ver que a crítica é menos uma oposição real do que um expediente para a passagem e a sucessão, uma astúcia do “aufhebung”.


Esta crítica não pode compreender. Pelo contrário, a sua eficácia estratégica depende do erro de interpretação. O conhecimento recíproco gera o equilíbrio. Se a crítica desmascarasse o sistema, este seria eterno. A recuperação do marxismo não é o efeito paradoxal da sua pertinência? Onde foi certeiro o ataque, o sistema tornou-se a imagem da sua crítica, organizou-se à sua custa, tomou consciência de si através das ideias que lhe dão combate. E é a parte utópica e ingénua do marxismo que pulsa ainda fora do coração do sistema.


Não admira por isso que o reformismo, a crítica endógena, tenha tido uma história mais consequente. A ideia de que a acção humana é incompatível com a desordem social e de que não é possível criar um sistema novo sobre as cinzas do passado é a lição da sabedoria.


Enquanto a ideia generosa está no céu, pode inspirar os homens no caminho duma maior justiça. Mas a tomada do poder é o túmulo da revolução. Porque o poder que se toma não é sobre a realidade, mas sobre um simples mecanismo que deixa de funcionar quando exercido fora de um equilíbrio, no fundo, desconhecido. O resultado é sempre uma fuga cega para a frente, desfeito esse equilíbrio e não havendo conhecimento possível das forças que entram em acção e das consequências dos nossos actos e da nossa gesticulação.


E eis a justiça mais uma vez adiada e, de resto, tornada desnecessária pela urgência de se encontrar um novo equilíbrio. Viver ocupa todas as forças.


A crítica, por isso, que sabe de si própria se não se exercer sobre o que se pode dominar e conhecer?

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