sexta-feira, 20 de julho de 2007

A FÚRIA DAS METÁFORAS


Panorama d'Avignon par P. Bonnard - Musée Calvet - Avignon



Em Outubro de 1791, Avinhão, a cidade dos papas, estava nas mãos das forças retrógradas. Uma multidão fanatizada arrastou Lescuyer, patriota e secretário da Comuna, até ao altar da igreja, onde a paulada de um operário o prostrou:

"Nesse mesmo momento entrava a trombeta da cidade, e tocava para fazer silêncio, anunciar uma proclamação. O formidável zu! zu! gritado por milhares de homens fez calar a trombeta. Esta enorme multidão, concentrada num ponto, estava como que suspensa sobre o corpo jazente: os homens esmagavam-lhe o ventre a pontapé e à pedrada; as mulheres, com as suas tesouras e para que expiasse as suas blasfémias, cortaram com uma raiva atroz os lábios que as haviam pronunciado."

"História da Revolução Francesa" (Jules Michelet)


Esta chacina e a vingança revolucionária que se seguiu, uns dias depois (a matança da Glacière), abriram as portas ao Terror. Como num mecanismo, os actores partem sempre dum ponto sem retorno, acrescentando o crime ao crime.

Na descrição de Michelet, veja-se como a violência exercida por aquelas mulheres, levadas por uma fúria "santa", excedia em requinte a dos próprios homens. Levavam as tesouras de caso pensado, para aplicar a pena que julgavam apropriada, metaforizando as palavras blasfemas na carne viva, princípio que no "Mercador de Veneza" define a desumanidade do judeu Shylock. Este, para quem o dinheiro é tão precioso como a vida e em quem a noção do seu "direito" completamente abafa toda a compaixão, revela a mesma estupidez orgulhosa dessas avinhenses em defesa da sua religião.

0 comentários: