sábado, 7 de julho de 2007

DO BOM USO DOS MITOS



É um facto que as várias leituras influenciam de forma às vezes radicalmente diferente as decisões, mesmo na situação de um observador não comprometido.

É certamente um paradoxo que o aparente anacronismo de se julgar, por exemplo, o conflito israelo-árabe, mitologicamente, como os Gregos faziam, nos leva mais próximo dum desbloqueamento da situação do que quando nos servimos duma teoria histórica ou da crítica do imperialismo.

Podemos encarar esse conflito que, como se sabe, atingiu proporções planetárias, como uma tragédia em que todos são vítimas e tudo se explica pela cólera dos deuses, devendo a questão da origem (quem começou) ser vista, tendo em conta a história subsequente, mais como a duma armadilha do que a dum acto consciente.

Ou podemos ver aí a demonstração do facto de que os impérios fazem necessariamente vítimas e de que Israel não é mais do que a voz ventríloqua dos interesses americanos na região. O povo palestiniano seria, assim, o preço a pagar pelas necessidades de petróleo da superpotência que substituiu no Médio Oriente o imperialismo francês e britânico.

Se pensarmos apenas no interesse do povo da Palestina, é óbvio que a paz e o território são o mais importante.

E é com isso em mente que nos devemos perguntar qual dos dois mitos, chamemos-lhes assim, favorece mais a causa da paz e da justiça.

Vejamos algumas consequências do segundo:

1 - Só a derrota do imperialismo americano pode resolver a questão;

2 - ou a reconversão das necessidades energéticas desse "império";

3 - Israel nunca pode ser um interlocutor genuíno, visto que é um "pau mandado" e nada fará contra os interesses americanos.

Temos aqui todo um programa para a eternização do conflito. Sempre os palestinianos à espera de paz e de justiça e os israelitas à espera de segurança.

O primeiro mito, pelo menos, permite-nos pôr de lado a questão de quem começou, que é sempre um dos principais motores da recriminação mútua e tratar ambos os lados como naturalmente interessados na paz e na justiça.

Permite-nos, além disso, procurar outro tipo de explicação para paradoxos como este do petróleo, como suposta causa de tudo, violar todas as leis da economia, pelos sacrifícios que impõe em vidas humanas e em recursos, para além, do ponto de vista da superpotência, em termos de prestígio mundial.

Para "actualizarmos" o mito grego, apenas temos de substituir a "cólera dos deuses" pela "força das coisas", ou pela nossa ignorância, por exemplo.

1 comentários:

antónio davage disse...

É bonito, é razoável.
Mas, como o J. Ames saberá, mesmo nas tragédias em que todos são vítimas, há um acto a expiar, um sacrifício a ocorrer. No mundo grego o que é consciente e o que o não é é perfeitamente irrelevante em matéria de justiça, humana ou divina - seja, Ajax. Depois, a 'força das coisas', mesmo quando oculte uma verdade, não explica nada - a não ser em física onde o estado de coisas está definido e onde afirmá-lo seria tautologia.
'A cólera dos deuses', não podíamos estar mais de acordo, seria mais do que justificável. A nossa ignorância, um must com total aplicabilidade. Mas, seja como for, a primeira hipótese só pode ser tal - e deixar de ser meramente académica - se uma das partes ceder, na ausência do que se apela simplesmente ao recalcamento (o que nunca poderá ser um começo).
Não sei como se sai daqui - mas, em falta das cedências do colonizador, não me parece simplesmente possível. Depois, com certeza, mas só depois.
Não pretendo polemizar, é apenas uma questão que me ocupa.