"Cristo parou em Eboli" (1979-Francesco Rosi)
“Cristo parou em Eboli” é um filme cheio de preconceitos. E talvez por isso justo.
Vê-se que o exilado não compreende o camponês, nem as suas crenças, eficazes de outra maneira que não é da ciência do turinense. A moeda na fronte da doente alivia de facto porque ela acredita nisso. Tal não o impede de reconhecer que essa população esmagada pela necessidade é também vítima do Estado, figurado na pequena-burguesia dos funcionários, do clero e do pobre cobrador de impostos que toca clarinete para esquecer o ódio que aquela gente lhe tem.
A guerra da Abissínia é um desastre como os outros, encarado com resignação e fatalismo. É que tal como a natureza, o poder é transcendente, visto da aldeia. E mais vale preparar os homens pela oração e pela esperança para tirar o melhor partido de tudo o que acontece, do que dar livre curso à fúria ou ao desespero.
O político inimigo de Mussolini está próximo do tirano pelo facto de querer salvar os camponeses do campo e dos seus deuses. Ele deixa-se enganar pelo fascínio que exerce sobre as pessoas duma aldeia perdida, mas habituada ao prestígio dos senhores e ao peso do tributo, a sua auréola de citadino, portador de virtudes não menos mágicas do que os anjos da lenda. Não é o progresso e a ciência que fazem o seu poder, mas o facto de lhe chamarem doutor e de, ao contrário dos médicos oficiais, ser um banido com direito a todas as honras da sua classe.
A sua posição permitia-lhe aparecer do lado dos oprimidos sem renunciar aos signos da sua diferença social. A sua luta, se viesse a travá-la até ao fim, em vez de sentir remorsos por ter voltado à indiferença do Turim, seria a de organizar os camponeses para se defenderem do Estado e da Igreja, ao preço duma renovação da sua cultura ancestral e supersticiosa. Se ele tivesse poder para tanto.
Roma, em vez de enxertada na sociedade antiga, sugando a vida com os seus tentáculos, podia reproduzir-se no consentimento e na uniformidade. E esta ideia do exilado é imperial como a águia romana. A sua piedade é uma paixão guerreira. Por linhas tortas se escreve a história do espírito universal. Porque sem estes encontros e esta atracção dos extremos que é violência, mesmo se lhe pode ser atribuída a inspiração da fraternidade e do amor cristão, as ideias não mudavam e a perfeição social seria causa de não mudarem nunca.
É absurda uma aspiração à mais alta vida do espírito dentro duma cultura isolada dos outros por preconceito. Todo o homem e toda a vida devem subir connosco. Eis por que o médico anarquista tinha razão e o “capo” do município, por desprezar o homem, não podia ter.
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