Auschwitz
"Mas é no mundo e entre os homens que terei de me encontrar. E tenho bem essa intenção, apesar da repugnância e da lassidão que por vezes me assaltam. Mas comprometo-me a esgotar as possibilidades dessa via e a progredir custe o que custar. Parece-me às vezes que a minha vida apenas começou. Que as dificuldades ainda estão para vir, mesmo se acredito ter-me já defrontado com um bom número delas. Vou estudar, tentar penetrar em profundidade a realidade, mas (vejo nisso um dever) vou deixar-me desorientar, desviar-me aparentemente do meu caminho, por tudo o que cair sobre mim; à força de o fazer, vou adquirir com o tempo certezas cada vez mais sólidas. Até o dia em que nada me poderá perturbar, em que tiver desenvolvido um equilíbrio muito grande, suficientemente sólido para me permitir evoluir em todas as direcções."
"Journal 1941/1943" (Etty Hillesum)
Perante um coração tão jovem e tão puro, não se pensa na ingenuidade e na falta de experiência, mas na força primaveril que irrompe em direcção à luz.
Depois, no caso de Etty, há a sua descida aos Infernos, em Auschwitz. E temos razão para crer que esse coração os atravessou incólume e que depois de bater até o último momento no corpo gaseado continua a salvo nas páginas do seu comovente diário.
Nestas linhas, ela fala numa realidade profunda que era preciso penetrar e do seu desejo de evoluir.
É, talvez, a busca de um sentido que só o tempo e o fim do tempo podem dar. Daí que este fundo e esta superfície não sejam conceitos espaciais, mas transpessoais, de auto-revelação.
Já Lévinas dizia que a ética é uma óptica. Se vencemos a perspectiva (Simone Weil), e o centro sai de nós mesmos, talvez possamos, de facto, "evoluir em todas as direcções".
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