"Habemus Papam" (2011-Nanni Moretti) |
Moretti realiza em "Habemus Papam", a
operação "paredes de vidro" que a Igreja não é capaz de fazer e que
quase todos os partidos comunistas já fizeram com as consequências que se
sabem. Talvez seja isso que o cineasta quer dizer com a "ajuda" que
pretendeu prestar à Igreja. Esta seria, então, uma instituição enredada no seu
conservantismo e incapaz de zelar pelos seus próprios interesses...
A "peste" de Freud não podia
ser mais ameaçadora num tal ambiente. Precisamente, o compromisso com a ideia
do inconsciente ( que corresponde à privatização do divino) é de tal modo
destrutivo para a crença num Deus pessoal, que só um ataque colectivo de
insanidade mental podia tornar verosímeis as cenas daquele conclave, em que o
papa escolhido reivindica o seu direito a uma vida "pessoal", como
qualquer cidadão do espaço profano. Esta é uma questão muito mais complicada do
que a do direito de greve dos militares.
Moretti, ele próprio, no papel do
psicanalista, é introduzido no palácio como o especialista indicado para tratar
a situação inédita, e com essa cedência fatal dos cardeais, imediatamente os
vemos mudar a sua posição de "pastores" para a de dócil rebanho
perante as triunfantes especulações do “complexo de Édipo” e do "défice
parental". E logo a seguir o pleno do prosaico com os purpurados em
terapia de grupo jogando uma partida de voleibol ao som do apito de Moretti,
que se deixa entusiasmar ao ponto de se ter esquecido de fazer a gestão do
tempo, pois a cena se arrasta um tanto.
O cómico da cena não nos deve distrair
do principal que é a incompatibilidade
dum regime fechado sobre os seus símbolos, que a cada passo invoca o mistério
da fé e dos caminhos do divino, com o mundo moderno, que substituiu a fé pela
adesão e todo o mistério em ficção científica com solução a prazo.
O dilema da Igreja é que não pode responder com as mesmas armas ao ataque
"psicanalítico". Daí a sua posição necessariamente ambígua perante os
trunfos do iconoclasta Moretti.
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