segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

A PSICANÁLISE NO VATICANO


"Habemus Papam" (2011-Nanni Moretti)


Moretti  realiza em "Habemus Papam", a operação "paredes de vidro" que a Igreja não é capaz de fazer e que quase todos os partidos comunistas já fizeram com as consequências que se sabem. Talvez seja isso que o cineasta quer dizer com a "ajuda" que pretendeu prestar à Igreja. Esta seria, então, uma instituição enredada no seu conservantismo e incapaz de zelar pelos seus próprios interesses...

A "peste" de Freud não podia ser mais ameaçadora num tal ambiente. Precisamente, o compromisso com a ideia do inconsciente ( que corresponde à privatização do divino) é de tal modo destrutivo para a crença num Deus pessoal, que só um ataque colectivo de insanidade mental podia tornar verosímeis as cenas daquele conclave, em que o papa escolhido reivindica o seu direito a uma vida "pessoal", como qualquer cidadão do espaço profano. Esta é uma questão muito mais complicada do que a do direito de greve dos militares.

Moretti, ele próprio, no papel do psicanalista, é introduzido no palácio como o especialista indicado para tratar a situação inédita, e com essa cedência fatal dos cardeais, imediatamente os vemos mudar a sua posição de "pastores" para a de dócil rebanho perante as triunfantes especulações do “complexo de Édipo” e do "défice parental". E logo a seguir o pleno do prosaico com os purpurados em terapia de grupo jogando uma partida de voleibol ao som do apito de Moretti, que se deixa entusiasmar ao ponto de se ter esquecido de fazer a gestão do tempo, pois a cena se arrasta um tanto.

O cómico da cena não nos deve distrair do principal que  é a incompatibilidade dum regime fechado sobre os seus símbolos, que a cada passo invoca o mistério da fé e dos caminhos do divino, com o mundo moderno, que substituiu a fé pela adesão e todo o mistério em ficção científica com solução a prazo.

O dilema da Igreja é que não pode  responder com as mesmas armas ao ataque "psicanalítico". Daí a sua posição necessariamente ambígua perante os trunfos do iconoclasta Moretti.

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