"The Mirror" (1974, Andrei Tarkowsky)
A poesia do pai é o livre comentário
das imagens, o pai ausente cujas memórias de infância fluem com as de Ignat. Só
a mãe é actual, a sua nostalgia, o seu trabalho (corrige as provas numa
tipografia, como "corrigiria" a poesia do marido se vivesse com ele).
A passagem do tempo aparece num
espelho. A mãe, pelos olhos de Ignat, já reflecte só a velhice. O tempo precipita-se
nos abismos, as paredes da casa tornam-se leprosas, partes do tecto deixam
passar a água, quando a mãe sai de cena.
Mas não há montagem para sugerir a
passagem. Pelo contrário, o tempo goteja e ouvimo-lo escorrer. As gerações
vivem no tempo poético do simultâneo. E envolvendo tudo, o espaço da literatura
e do cinema russos.
A verdadeira música nos filmes de
Tarkowsky é o vento e a resposta das árvores, das ervas e dos objectos abandonados pelo
homem. Se quiséssemos, poderíamos ver no ambiente mineral e corroído, o símbolo dum
regime desumano, como nas cenas iniciais de "Stalker". Mas é isso que
está lá?
O filme foi recusado durante muito tempo
pelas autoridades soviéticas, como se compreende. Mórbido, decadente, na
aparência, quando, na verdade, o
espírito é a grande presença esfíngica que os homens deixaram de interrogar.
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