domingo, 11 de dezembro de 2011

O ESPELHO


 
"The Mirror" (1974, Andrei Tarkowsky)



A poesia do pai é o livre comentário das imagens, o pai ausente cujas memórias de infância fluem com as de Ignat. Só a mãe é actual, a sua nostalgia, o seu trabalho (corrige as provas numa tipografia, como "corrigiria" a poesia do marido se vivesse com ele).

A passagem do tempo aparece num espelho. A mãe, pelos olhos de Ignat, já reflecte só a velhice. O tempo precipita-se nos abismos, as paredes da casa tornam-se leprosas, partes do tecto deixam passar a água, quando a mãe sai de cena.

Mas não há montagem para sugerir a passagem. Pelo contrário, o tempo goteja e ouvimo-lo escorrer. As gerações vivem no tempo poético do simultâneo. E envolvendo tudo, o espaço da literatura e do cinema russos.

A verdadeira música nos filmes de Tarkowsky é o vento e a resposta das árvores, das ervas e dos objectos abandonados pelo homem. Se quiséssemos, poderíamos ver no ambiente mineral e corroído, o símbolo dum regime desumano, como nas cenas iniciais de "Stalker". Mas é isso que está lá?

O filme foi recusado durante muito tempo pelas autoridades soviéticas, como se compreende. Mórbido, decadente, na aparência, quando, na verdade,  o espírito é a grande presença esfíngica que os homens deixaram de interrogar.

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