Daquela vez, na banheira, pensei em
Fantomas e no seu crime por sugestão. A vítima, amarrada a uma cadeira, sente
fugir-lhe um fio de sangue pelo braço. Uma venda impede-a de perceber que o
facínora tinha aberto a torneira de água quente. A via do tratamento pela água
para o crime perfeito.
A criminologia do herói de Pierre
Souvestre e Marcel Alain é um Kama Sutra. O inspector Jouve, a antítese
fraterna, é o factor velocidade. Por sua causa, o bandido imagina os golpes
mais audazes e fulgurantes. Há quase uma contiguidade física entre o criminoso
e o justiceiro, este falhando o outro por segundos. É a quase metamorfose: O
Dr. Jekyll falha o encontro com Mr. Hyde, isto é, consigo mesmo.
Lady Beltham não é uma clandestina,
mas uma urna de vidro. Essa figura que se anima pela única vontade de Fantomas
é a bela adormecida. Fandor, nome de ressonância eslava, é o comentário do
génio. Para não se dissolver na música, a acção trágica cinde-se na fala
magistral e no sentimento de assombro.
Fantomas é apresentado como uma
criatura diabólica. Na sua natureza, há o insondável do psíquico, organizado
como um segredo portador de morte.
A máquina do prazer em Sade é um jogo
infinito. A morte, como mostrou Barthes, é contrária à economia do
castelo-refúgio. Mas Fantomas tem o mundo debaixo da sua sombra. O seu prazer
não olha a gastos. E a morte é o último fetiche duma lógica poética que não põe
fim à vida, nem se alimenta da nossa angústia.
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