sábado, 24 de dezembro de 2011

O CHOURIÇO




"- Ainda o apanhamos!
Os dois amigos lançaram o passo, largamente, e Carlos que arrojara o charuto, ia dizendo na aragem fina e fria que lhes cortava a face:
- Que raiva ter esquecido o paiosinho! Enfim, acabou-se. Ao menos assentamos a teoria definitiva da existência. Com efeito, não vale a pena fazer um esforço, correr com ânsia para coisa alguma..."

"Os Maias" (Eça de Queirós)




Toda a gente reconhece esta passagem do final do romance. Os dois amigos correm para o "americano", ao mesmo tempo que Carlos declara não valer a pena correr para coisa nenhuma.

De todos os grandes projectos do Maia, e apesar de todos os seus privilégios, contra todos os seus pergaminhos, salva-se o chouriço. A tragédia incestuosa desmoralizou-o completamente, mas a necessidade de recolher ainda o leva a fazer uma corrida.

É o fim de toda uma época. Faz lembrar o mundo provinciano de Tchekov, antes da Revolução. Toda esta gente tem a ideia que merecia mais da vida, mas o que os confirma, pelo contrário, no destino que lhes coube é a sua visível vontade de decadência.

A atmosfera risonha da primeira parte, em que a pena de Eça descobre uma fundamental vacuidade, é a preparação da queda inexorável duma classe social.

Qualquer paralelo com a situação que vivemos hoje é abusiva. Não existem, agora, classes moribundas, nem pergaminhos, nem projectos que se possam dizer da nação ( a não ser, talvez, o duma Europa que o não sabe ser)

Pelo que, parece não haver motivo nenhum para nos sentirmos desmoralizados...

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