A obra-prima de Musil começa com estas
palavras: "Assinalava-se uma
depressão sobre o Atlântico".
Para quem viveu a primeira guerra
mundial e escrevia nas vésperas da segunda, a metáfora atmosférica não podia
ser mais óbvia, e talvez por isso o autor tenha tentado ao longo de mais de
oitocentas páginas descrever a paz e o particular espírito cacânico (do reino
das duas águias) que abriram as portas à guerra.
Embora tivesse sobretudo em mente a
primeira guerra, sentia no ar, ainda, "o
espectro que assolava a Europa" e que se abateu sobre as nações do
modo mais célere e mortífero possível. A introdução faz lembrar, evidentemente,
o espectro de Marx, em tom satírico.
A leitura mais "produtiva"
do ""Homem Sem Qualidades" devia permitir-nos ver o elo que
existe entre a violência infernal de 1914/1918 e o objecto da sátira musiliana,
que eu me atrevo a resumir na ideia de falência do espírito (sintomaticamente,
é para uma espécie de união da cultura e do poder que as principais personagens
trabalham).
O vazio. É esse o tema de Musil. A
segunda guerra, que foi ainda mais desumana do que a primeira, é a consequência
dessa extenuação do ser. Alguns escritores, nomeadamente austríacos falam
disso, parecendo falar de outra coisa. Mas a melhor súmula é a musiliana.
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