Martin Heidegger contemplant la montagne Sainte-Victoire, septembre 1968
"Se bem que menos visível, um processo comparável de decomposição contamina a palavra civilizada. Para Heidegger, o Gerede, a verborreia que encheu a maioria das vidas humanas, atesta directamente o eclipse do logos, a sua retirada na dissimulação.
"(...) Na fórmula de Heidegger, é a catástrofe da Seinsvergessenheit, a incapacidade na qual se encontra o homem, depois dos pré-socráticos, de "se lembrar do ser". Nesta amnésia, Heidegger situa não somente a falha constante da metafísica ocidental, mas também a causa activa da anomia individual e das loucuras colectivas que caracterizam a história e a sociedade moderna."
"Les logocrates" (George Steiner)
Esta suspeita lançada sobre toda a linguagem desde que Sócrates elaborou a sua teoria dos conceitos remete, evidentemente, para o mito de uma idade de oiro do pensamento poético (os poetas seriam "os curadores do ser").
Steiner vê uma origem teológica nesta transcendência atribuída à linguagem, cuja degenerescência se pode igualmente ler como uma necessidade decorrente da "Queda".
É irresistivelmente sedutora a ideia de que todos os males da nossa civilização se devem a termos perdido o caminho, algures no passado.
Mas "as pulsações de luz do logos" interpretadas pelos poetas, como poderiam abolir esse passado e regenerar a linguagem?
E é aí, como numa nova Revelação, que entram os logocratas. Steiner remata que podia ser verdadeira a conclusão de William Hazlitt: "A linguagem da poesia encontra naturalmente a linguagem do poder."
Também se poderia aplicar aqui a ideia da infância como metáfora de um paraíso perdido e de uma verdadeira imersão no ser. Todo o crescimento, nesse sentido, seria um descaminho.
E imediatamente nos ocorre que a linguagem do poder fala, então, através da psicanálise.
2 comentários:
« (...) Pois desde que a Poesia se libertou dos lábios
Mortais, exalando a paz, e o nosso canto,
Benfazejo na dor e na fortuna, alegrou
O coração dos homens, também nós,
Cantores do povo, gostamos de estar entre os viventes
Onde muitos se reúnem, alegres amigos de cada um,
Abertos a cada um; assim também
O nosso avô, o Deus do Sol, (...)»
Hölderlin
A reflexão heideggeriana sobre a linguagem não é mais uma mera perspectivação da relação possivelmente patenteada entre a linguagem e a realidade, sobre a propriedade ou impropriedade da mesma para descrever as coisas, nem tão-só uma mera análise sobre um "aspecto" do estar-aí (Da-sein) do homem.
Trata-se de uma reflexão sobre a forma mais eminente do mostra-se da experiência e da expressão da própria realidade. É na linguagem que se dá a abertura do Mundo, que se dá o aparecer do ser de todas as coisas e, por isso, o verdadeiro modo de perscrutação daquilo que se afirma como existente, só pode ser atingido através do auscultar do significado primordial das palavras.
As coisas não são fundamentalmente coisas presentes no mundo-exterior, mas na palavra que as nomeia originariamente e as torna acessíveis, até mesmo na presença espacio-temporal. As coisas só são, no sentido do recolectante “fazer-morar", na Linguagem concebida como Poesia. Eis como deveremos entender a afirmação segundo a qual é a palavra que "torna coisa" (be-dinget), a coisa (Ding)”.
Isabel Rosete
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