Paul Valéry (1871/1945)
"A emoção é a fonte; digo a emoção e não a paixão. Não é inútil dizer que as paixões são muito razoáveis, e falam a linguagem do pretório; eis por que eu digo que toda a poesia é selvagem, e, neste poeta, talvez a mais selvagem que já se leu. Creio que o primeiro trabalho do poeta, na sua primeira e principal recusa, é voltar da paixão à emoção pura. E a emoção pura é um estranho delírio; porque tudo sobe então dos calcanhares, como um pavor ou uma cólera:
O formidablement gravie,
Et sur d' effrayants échelons..."
Parece que hoje se abandonou o estudo das paixões, pelo estranho preconceito que as confunde com a emoção ou com a maquinaria do inconsciente.
Mas o filósofo vem, com toda a pertinência, lembrar que é só quando a razão nos abastece de uma aparência de argumento que a paixão surge e ganha todo o seu ímpeto.
E há palavras-cofre, como alguém já disse, que dispensam que o argumento se desenrosque do seu fundo, bastando-lhe mostrar a cabeça de serpente, para nos lançar numa defesa ou num ataque apaixonados, e desferindo a "linguagem do pretório". Justiça é uma dessas palavras.
O trabalho do poeta é o de uma espécie de electrólise, para separar os elementos. Fazer soar a "recôndita harmonia" que nos atravessa como a uma harpa.
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