terça-feira, 29 de maio de 2007

O DIABO MAL DEFENDIDO



La république casquée (Musée Roty)


"Este grande senhor (La Rochefoucauld) havia sido, antes da Revolução, o amigo, o pai dos filósofos, o centro e o apoio de todas as sociedades filantrópicas. Tinha impelido vivamente as ideias de 89; em 91 assustara-se, quisera recuar. Fez discutir solenemente na sua casa a tese da República perante os que ainda hesitavam, querendo arrematar com um debate contraditório o debate interior que agitava os seus espíritos. O monárquico Dupont de Nemours fez-se (como se faz nas controvérsias teológicas) o advogado do diabo, quer dizer, da República. O diabo, como sempre acontece em tais casos, foi morto sem dificuldade, e a República julgada impossível, a França declarada monárquica."

"História da Revolução Francesa" (Jules Michelet)


Este La Rochefoucauld não é o autor das célebres "Máximas", que andou envolvido nas guerras da Fronda, mais de um século antes.

É um homem dividido entre o coração e a cabeça. Não podia dar razão ao partido do medo, sem se convencer, e convencer os próximos, que o medo nada tinha a ver com tal decisão.

Michelet diz que o "advogado do diabo" perdeu a sua causa, "como sempre acontece, em tais casos."

Ora, esta figura tem muitas semelhanças com o advogado de alguém que ele sabe que é culpado, mas que, apesar disso, defende por obrigação profissional. Neste caso, não pode deixar de verificar-se que o "diabo" seja "morto sem dificuldade", o que confere à contradição o seu quê de comédia.

Mas é claro que ganhar uma causa que à partida parece perdida também é um grande motivo para que falhe a predição de Michelet.

É de crer, contudo, que em casa de La Rochefoucauld tenha prevalecido a versão cómica.

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