sexta-feira, 18 de maio de 2007

IDEIAS IMPOLÍTICAS


Baruch Spinoza (1632/1677)


É a felicidade a própria virtude, como queria Spinoza? Certamente, mas não é uma ideia fácil, porque se confunde depressa o egoísmo e o prazer com a felicidade. O homem que dorme no pedestal da estátua tem o poder de comunicar tristeza. A criança que pede esmola dispensa angústia como o olhar do animal que se abate. Dessa força dos signos do sofrimento e da miséria, tiram muitos o seu sustento senão o seu lucro. E todos sabem que não é essa a verdadeira miséria. A que não se vê nas ruas da baixa é a pior, mas em contrapartida não custa a suportar aos outros. É demasiado abstracta.

Pode imaginar-se o espectáculo do último pobre, ou do último sofredor, condenados por qualquer lei inexplicável a essa diferença irredutível. E basta isso para ver que toda a riqueza e toda a felicidade dependeriam do privilégio negativo desses homens. E se eles não existissem, haveriam de erguer-se templos em cada cidade e em cada casa à sua figura divina. Sem dúvida que era sob essa forma que todos gostaríamos que existissem. Por isso a ideia da igualdade tem um limite simbólico.

De resto, a igualdade poderia ser o fim da política, mas sê-lo ia da injustiça? A realidade é que antes de sermos injustos para os outros, somos injustos para nós mesmos. Daquilo que é sentido como uma necessidade inexorável todo o homem sabe tirar partido. O verdadeiro mal, porque é íntimo e divide o ser contra si próprio, é o que se atribui à vontade e à liberdade humana. Daí que nenhum pobre esteja condenado à partida a viver acabrunhado. O mendigo na história de mestre Eckhart, citada por H. Arendt, não dizia que estava “muito melhor no Inferno com Deus do que no Céu sem Ele”? É cem vezes mais difícil que o empobrecido e o politizado escapem a isso. Mas a virtude e o pleno uso dos recursos podem fazer brilhar a réstia de sol que acalenta o coração no bairro de lata.

Que a liberdade se pode prezar mais do que o conforto provam-no povos inteiros e cada um de nós, nos melhores momentos da nossa vida. Não é verdade que os ciganos recusaram a integração, mesmo em troca do socialismo – promoção que seria bem real para eles, apesar de tudo? E não preferiram sempre os judeus a sua cidade em ruínas à protecção e à ajuda de Roma para construir de novo? Adriano não compreendia esse orgulho inflexível dos israelitas. Era o poder que o transtornava. Também ele persistia, como os novos sonhadores da unidade humana, em fazer os homens felizes à força.

O que é evidente é que qualquer homem pode fazer mal a si próprio e, portanto, directa ou indirectamente, aos outros. Eis por que o primeiro problema da justiça é a liberdade. Depende de como usamos o nosso corpo e todos os instrumentos que o prolongam haver mais ou menos justiça no mundo. A violência está ao alcance do pobre, mas é ele, as mais das vezes, a vítima da violência. Contudo, deve separar-se o que é do domínio das coisas e da necessidade do que é efeito da acção humana. O rico e o poderoso não são mais livres, apesar da aparência. Os seus meios dependem estritamente do querer de muitos homens. A sua vontade é uma soma que não lhes pertence.

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