quinta-feira, 3 de maio de 2007

O FANTASMA DA LIBERDADE



"Porque a emancipação em si não passava de uma formalidade, condição necessária mas muito insuficiente da liberdade. Era mais frequentemente um gesto simbólico do que um acontecimento que mudasse radicalmente a vida do escravo e as suas relações com o senhor. Assim, havia tendência para emancipar os velhos escravos à hora da morte, para se ter e lhes dar a consolação de uma morte de homens livres. (...) as libertações em massa de escravos, no séc.IV, sob a influência do cristianismo, tinham consequências éticas, mas não económicas."

"A sociedade romana" (Paul Veyne)


Hoje, na nossa sociedade, embora não exista, oficialmente, a escravatura, ainda são necessários os gestos simbólicos de emancipação. E, reveladoramente, em relação ao espectro desse poder, há muito tempo defunto, que foi o do pater familias sobre a mulher, os filhos e, precisamente, os escravos.

Sobre a sorte dos escravos, já Alain ironizava fazendo notar que se o interesse de qualquer comerciante é tratar o melhor possível a sua mercadoria, para que tenha um aspecto atraente e possa seduzir o seu cliente, por que não haveria o dono de escravos, que compreendesse os seus verdadeiros interesses, de se preocupar com a saúde, a educação e até a felicidade da sua "propriedade"?

Indo um pouco mais longe, por que não deveria ser dada ao escravo, apesar da precaridade da sua situação, a possibilidade de escolha ao nível do consumo e, dentro de certos limites constitucionais, até da política?

Por isso, e invertendo a fórmula de Paul Veyne, e sempre com ironia, podíamos dizer que a escravatura hoje só teria consequências éticas, mas não económicas.

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