Alain (1868/1951) |
“É
útil observar como um partido organizado é depressa atingido pela cegueira,
porque a preocupação em se conservar e em aumentar domina e absorve por fim
toda a sua doutrina. Penso no partido socialista. Uma das suas teses mais
fortes é a de que, cada vez mais, os governos estarão às ordens dos
financeiros; haverá ministros em cena, para o espectáculo, e parlamentares
também, e grandes debates sem grande efeito; os verdadeiros governantes estarão
nos bastidores ou na caixa do ponto; assim, os grandes banqueiros escreverão a
peça e pô-la-ão em cena; os outros serão somente actores.”
“Éléments d’une doctrine radicale” (Alain)
A tese, como se vê,
continua de grande actualidade, e não muda nada se quem encena não frequenta os
bastidores do parlamento ou nunca pôs os pés no nosso país.
Mas a doutrina não é
o que move os partidos, pela simples razão de que eles não vivem das ideias,
nem pelas ideias, mas do poder que conseguem deter no sistema político. Aliás,
a contradição entre os programas e a prática já levou alguns partidos a modificar
a doutrina, a ponto de hoje não se poder dizer que o que Alain dizia em 1912 é
uma tese de qualquer partido socialista conhecido.
Alain acreditava que mais
importante do que os programas são os homens e que são aqueles que conhecemos
pela sua probidade e coragem que importa guindar ao poder. Claro que isso
passava por uma reforma eleitoral que desse ao voto a força dos cidadãos
conscientes e não a das grandes organizações. No que, o nosso filósofo parece
ingénuo, ao não prever que o poder é o “leito de Procusta” onde se cortam
fatalmente as asas e os pés para qualquer outro caminho que não seja o imposto
pela “máquina”. Neste caso, parece-me preferível empregar esta palavra em vez de
sistema, porque, de tanto abuso, serve para tudo. Entre os que simplificam o
sistema, há aqueles que o reduzem à luta de classes. Mas os que apostam na sua
complexidade tornam-se facilmente fatalistas e defensores do status quo.
O certo é que a forma como as boas vontades e os espíritos bem intencionados
são “triturados” pelo poder, logo que lhe chegam perto, faz pensar numa
engrenagem implacável.
0 comentários:
Enviar um comentário