terça-feira, 2 de agosto de 2011

UMA TESE ACTUAL

Alain (1868/1951)


“É útil observar como um partido organizado é depressa atingido pela cegueira, porque a preocupação em se conservar e em aumentar domina e absorve por fim toda a sua doutrina. Penso no partido socialista. Uma das suas teses mais fortes é a de que, cada vez mais, os governos estarão às ordens dos financeiros; haverá ministros em cena, para o espectáculo, e parlamentares também, e grandes debates sem grande efeito; os verdadeiros governantes estarão nos bastidores ou na caixa do ponto; assim, os grandes banqueiros escreverão a peça e pô-la-ão em cena; os outros serão somente actores.”

“Éléments d’une doctrine radicale” (Alain)




A tese, como se vê, continua de grande actualidade, e não muda nada se quem encena não frequenta os bastidores do parlamento ou nunca pôs os pés no nosso país.

Mas a doutrina não é o que move os partidos, pela simples razão de que eles não vivem das ideias, nem pelas ideias, mas do poder que conseguem deter no sistema político. Aliás, a contradição entre os programas e a prática já levou alguns partidos a modificar a doutrina, a ponto de hoje não se poder dizer que o que Alain dizia em 1912 é uma tese de qualquer partido socialista conhecido.

Alain acreditava que mais importante do que os programas são os homens e que são aqueles que conhecemos pela sua probidade e coragem que importa guindar ao poder. Claro que isso passava por uma reforma eleitoral que desse ao voto a força dos cidadãos conscientes e não a das grandes organizações. No que, o nosso filósofo parece ingénuo, ao não prever que o poder é o “leito de Procusta” onde se cortam fatalmente as asas e os pés para qualquer outro caminho que não seja o imposto pela “máquina”. Neste caso, parece-me preferível empregar esta palavra em vez de sistema, porque, de tanto abuso, serve para tudo. Entre os que simplificam o sistema, há aqueles que o reduzem à luta de classes. Mas os que apostam na sua complexidade tornam-se facilmente fatalistas e defensores do status quo. O certo é que a forma como as boas vontades e os espíritos bem intencionados são “triturados” pelo poder, logo que lhe chegam perto, faz pensar numa engrenagem implacável.

0 comentários: