quinta-feira, 4 de agosto de 2011

FÁBULA





“As dificuldades que se fizeram sentir em Florença são as mesmas que foram sentidas em todas as cidades com a mesma origem; e apesar de, repetidamente, pelo voto livre e público dos seus cidadãos, uma ampla autoridade tivesse sido dada a um pequeno número dos seus para reformar a sua constituição, nenhuma alteração de utilidade geral foi alguma vez introduzida, mas tão-só as que fizeram avançar os interesses do partido a que aqueles encarregados de fazer as mudanças pertenciam. Isto, em vez de ordem, ocasionou a maior desordem na nossa cidade.”


“Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio” (Nicolau Maquiavel)

                

Como o dos florentinos da época, o voto popular é, entre nós,  “livre e público”, mas isso serve apenas para bloquear as mudanças de interesse geral e legislar a favor da parte mais influente de um ou outro partido no poder (porque é preciso distinguir as elites partidárias e os ocultos “encenadores da peça”, por um lado, da massa dos que votam nesses partidos por sedução ideológica e contra os seus interesses reais.). Com a grande diferença, em relação ao tempo de Maquiavel, de que existe, agora, um outro tipo de consenso.

A democracia, ainda assim, é o “menos mau dos regimes”, mas é preciso conceber uma qualquer necessidade para esta perpétua mistificação. Por que é que as mudanças de interesse geral não são sempre o resultado da votação livre dos cidadãos?

Posso imaginar uma fábula, como a de Menénio Agripa, para explicar por que é que tem de ser assim. Os diferentes interesses corresponderiam a “órgãos” diferentes e não se pode pôr, por exemplo,  a barriga a dirigir a cabeça. Isto seria uma fábula muito conveniente para os que aproveitam da mistificação.  A sociedade sem classes, neste contexto,  funcionaria como um outro “ópio do povo”, mais requintado, mas não é assim que as coisas se passam. A cultura da democracia moderna não aspira à sociedade sem classes, mas à felicidade geral pela via do consumo. O poder só se mostra “anti-democrático” e o consenso só se desfaz quando a “economia” levanta a sua terrível cauda… Economia que não é mais do que o “status quo” que produz a mistificação.

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