O filme de Chantal
Akerman, “Jeanne Dielman, 23 Quai du Commerce, 1080 Bruxelles” (1975), descreve
três dias da vida duma mulher (Delphine Seyrig) que vive com um filho estudante
que só aparece para jantar. As falas entre ambos reduzem-se ao essencial, salvo
à hora de se deitar, quando o rapaz dispara algumas questões incómodas sobre a
história dos pais e o sexo em geral. A mãe, que o ouve de pé levantado, põe fim
à conversa dizendo que não adianta nada falar sobre essas coisas. Estes são os
momentos “críticos” do filme, porque tudo o resto é a visualização pela câmara
fixa, da rotina doméstica, quase sem elipses. A repetição ordenada dos gestos é
sufocante, e não é que Jeanne se comporte como um autómato. Mas a eficiência
surge como o seu próprio objecto, e a interpretação de Delphine Seyrig não nos
permite supor que não haja até um prazer perverso naquele meticuloso vazio. O
que vemos não é a opressão da mulher sob o peso dos trabalhos de casa. Falta o carrasco
dessa opressão, que não é outro, neste caso, senão a neurose. Este trabalho que
não lhe deixa um minuto livre é, antes, um refúgio. Mas só funciona como tal se
conseguir expulsar o monólogo interior e manter à distância os sentimentos.
Ora, Jeanne tem como fonte de rendimento uma actividade inconfessável e só nas “conversas”
com o filho a consciência disso transparece na agressividade latente de algumas
perguntas. Ela recebe alguns homens no seu quarto quando está sozinha. Isso é
apenas mais um detalhe da rotina que se intercala nas outras tarefas. Mas ao
terceiro dia, o corpo rebela-se. Ela sente-se vaga e relaxada, tenta
distrair-se limpando alguns “bibelots”.
Infelizmente é a hora do terceiro cliente da história e o orgasmo é quase
inevitável. A tesoura que trouxera para abrir um embrulho serve-lhe para
assassinar o “intruso” que havia destruído a paz armada dos seus “nervos”. O
título do filme é uma morada, mas não vive lá ninguém. Jeanne tinha-se
suprimido atrás da tripla função de doméstica, mãe e prostituta.
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