Num delicioso filme
de 1925, “Master of the house”, Carl
Dreyer dá-nos um exemplo duma espécie que ele começa por dizer que se encontra
extinta no seu país, a Dinamarca: o tirano doméstico que escraviza a sua
companheira na melhor das boas-consciências e, claro, tendo como resposta a
mais completa submissão, uma submissão que é ao mesmo tempo um fatalismo de
inspiração religiosa.
Felizmente que, neste
caso, a velha ama, testemunha desta cena medieval, encarrega-se de abrir os
olhos à vítima, levando-a a sair de casa para se tratar, já que de tão exausta
só se mantém de pé graças ao seu ânimo indefectível que a dúvida vem desfazer.
O tirano depressa é reconduzido,
sob a férula da ama, tornada “governanta”, aos tempos de rapaz temeroso de
provocar a sua zanga. Ela vê-o regressar ao bom caminho, tratando das suas
coisas e ajudando no trabalho de casa, mas quer a sua rendição completa. No dia
do regresso inesperado da mulher, de novo anjo ansiado, ele sujeita-se a ficar
de costas no canto da sala, castigo que costumava infligir aos filhos. Num
plano que revela quanto Dreyer aprendeu com os grandes mestres, vemos o olhar
da ama dirigir-se para as calças sujas nos joelhos, sinal evidente de que ele
pediu perdão ao seu anjo.
No tempo em que se
estreou o filme, o tema estava longe de ser anacrónico, é de supor, que mesmo
na Dinamarca. Hoje parece uma caricatura fora de moda, ou um estudo sobre os
hábitos dos dinossauros.
Mas é esquecer que as
famílias podem sempre regressar ao estado natural onde vigora a lei do mais
forte. A justiça não começa na cidade.
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