sexta-feira, 19 de agosto de 2011

UM DINOSSAURO








Num delicioso filme de 1925, “Master of the house”, Carl Dreyer dá-nos um exemplo duma espécie que ele começa por dizer que se encontra extinta no seu país, a Dinamarca: o tirano doméstico que escraviza a sua companheira na melhor das boas-consciências e, claro, tendo como resposta a mais completa submissão, uma submissão que é ao mesmo tempo um fatalismo de inspiração religiosa.

Felizmente que, neste caso, a velha ama, testemunha desta cena medieval, encarrega-se de abrir os olhos à vítima, levando-a a sair de casa para se tratar, já que de tão exausta só se mantém de pé graças ao seu ânimo indefectível que a dúvida vem desfazer.

O tirano depressa é reconduzido, sob a férula da ama, tornada “governanta”, aos tempos de rapaz temeroso de provocar a sua zanga. Ela vê-o regressar ao bom caminho, tratando das suas coisas e ajudando no trabalho de casa, mas quer a sua rendição completa. No dia do regresso inesperado da mulher, de novo anjo ansiado, ele sujeita-se a ficar de costas no canto da sala, castigo que costumava infligir aos filhos. Num plano que revela quanto Dreyer aprendeu com os grandes mestres, vemos o olhar da ama dirigir-se para as calças sujas nos joelhos, sinal evidente de que ele pediu perdão ao seu anjo.

No tempo em que se estreou o filme, o tema estava longe de ser anacrónico, é de supor, que mesmo na Dinamarca. Hoje parece uma caricatura fora de moda, ou um estudo sobre os hábitos dos dinossauros.

Mas é esquecer que as famílias podem sempre regressar ao estado natural onde vigora a lei do mais forte. A justiça não começa na cidade.

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