“Um
homem não prático (e este não tem só a aparência disso, mas é-o por natureza)
acaba por ser, no comércio dos homens, pouco seguro e indecifrável. Cometerá
acções que terão para ele todo um outro sentido que para os outros, mas
consolar-se-á do que quer que seja, por pouco que esse o quer que seja possa
ser resumido numa ideia excepcional. Para além disso, hoje, também, ele está
muito longe de ser totalmente
consequente. Assim, pode muito bem acontecer que um crime sofrido por um outro
que não ele lhe pareça apenas um erro social cujo responsável não é o
criminoso, mas a organização da sociedade.”
“O Homem Sem
Qualidades” (Robert Musil)
Felizmente que os
homens práticos que, ao contrário de Ulrich, são homens com qualidades que
servem para alguma coisa, nunca são inconsequentes, pela simples razão de que
se limitam a imitar-se uns aos outros.
A inconsequência de
que fala Musil é a dos princípios que mudam consoante o crime nos atinge (o que
pode desencadear uma reacção do cérebro reptiliano) ou atinge qualquer outro.
Mas como explica o autor, nesta crise do “império austro-húngaro” a braços com a modernidade é sobretudo a inteligência que
falha.
O dinamismo da nova
época já não dá tempo para pensar a novidade, para a criticar ou rejeitar, se
for preciso. Esse dinamismo impõe-nos a sua “agenda” e só nos resta limitar os
danos.
A transferência da
responsabilidade do criminoso para a sociedade é tão-só uma consequência dessa
falta de tempo para pensar. À medida que se desenvolve o estudo das
motivações e da influência do meio, mais
patente se torna que o castigo não tem um fundamento “científico” que sossegue
a nossa consciência. Assim, é preferível declararmo-nos nós os culpados, para
não sermos incoerentes com os nossos preconceitos.
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