quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O HOMEM NÃO PRÁTICO




“Um homem não prático (e este não tem só a aparência disso, mas é-o por natureza) acaba por ser, no comércio dos homens, pouco seguro e indecifrável. Cometerá acções que terão para ele todo um outro sentido que para os outros, mas consolar-se-á do que quer que seja, por pouco que esse o quer que seja possa ser resumido numa ideia excepcional. Para além disso, hoje, também, ele está muito longe  de ser totalmente consequente. Assim, pode muito bem acontecer que um crime sofrido por um outro que não ele lhe pareça apenas um erro social cujo responsável não é o criminoso, mas a organização da sociedade.”

“O Homem Sem Qualidades”  (Robert Musil)



Felizmente que os homens práticos que, ao contrário de Ulrich, são homens com qualidades que servem para alguma coisa, nunca são inconsequentes, pela simples razão de que se limitam a imitar-se uns aos outros.

A inconsequência de que fala Musil é a dos princípios que mudam consoante o crime nos atinge (o que pode desencadear uma reacção do cérebro reptiliano) ou atinge qualquer outro. Mas como explica o autor, nesta crise do “império austro-húngaro” a braços com a  modernidade é sobretudo a inteligência que falha.

O dinamismo da nova época já não dá tempo para pensar a novidade, para a criticar ou rejeitar, se for preciso. Esse dinamismo impõe-nos a sua “agenda” e só nos resta limitar os danos.

A transferência da responsabilidade do criminoso para a sociedade é tão-só uma consequência dessa falta de tempo para pensar. À medida que se desenvolve o estudo das motivações  e da influência do meio, mais patente se torna que o castigo não tem um fundamento “científico” que sossegue a nossa consciência. Assim, é preferível declararmo-nos nós os culpados, para não sermos incoerentes com os nossos preconceitos.

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