Hugo von Hofmannsthal (1874/1929) |
Hugo von
Hofmannsthal é o autor de uma carta imaginária que Philip, Lord Chandos, filho
mais novo do Conde de Bath, escreveu, em 1602, a Francis Bacon. Nela, dá-se
conta duma súbita impossibilidade de escrever ( ou melhor, da perda do desejo
de escrita).
Poucos anos atrás, o
espírito de Chandos parecia querer estender-se a todos os ramos do saber e da
arte. O seu talento era reconhecido e os projectos não lhe faltavam. Mas tudo
isso pertencia ao passado. Nenhuma língua lhe parecia, agora, capaz de exprimir
os seus sentimentos e a sua maneira de ver o mundo. Sobretudo, o seu interesse
deslocara-se das coisas consideradas importantes para os pormenores a que
ninguém mais dá valor. Os objectos e os animais, por exemplo, diziam-lhe mais
do que as pessoas ou as ideias em geral.
“Primeiro, tornei-me gradualmente incapaz de discutir de qualquer
assunto mais elevado ou mais geral nos termos nos quais toda a gente se julga
habilitada a discutir, fluentemente e sem hesitação. Senti um nojo inexplicável
até em pronunciar palavras como espírito, alma, ou corpo. Achei-me na impossibilidade de
exprimir uma opinião sobre os assuntos da Corte, os acontecimentos no
Parlamento ou o que se quiser. Isto não era motivado por qualquer forma de
deferência pessoal (porque sabeis quanto a minha candura roça a imprudência),
mas porque os termos abstractos que a língua tem naturalmente de utilizar para
dar voz a um juízo, estes termos desfaziam-se na minha boca como fungos
bolorentos.”
Esta conversão de
Philip não é convincentemente explicada, como não o são as conversões em geral,
como a da Estrada de Damasco, por exemplo. Ela é mais um símbolo de, como se
diz agora, mudança de paradigma. O seu ponto crítico situa-se no período entre
as duas guerras mundiais. Jean-Pierre Maurel identifica-a com o conceito de
náusea: “A Náusea é a perda da unidade do
ser e é a fragmentação da realidade em milhares de pequenos pedaços que não têm
já qualquer ligação entre si e cuja soma de
sensações e percepções não alcança mais fazer uma totalidade.” E
designa como profetas desse “estado de alma”, além de Musil (“O Homem Sem
Qualidades”), Gombrowicz (“Ferdydurke”), Faulkner (“Pylone”) e Sartre (“La
Nausée”).
Não é por acaso que
esta carta fictícia é dirigida ao filósofo que inaugura a ciência moderna, com
o seu ponto de partida empirista. É esta ciência e esta inteligência que entram
em falência no “manifesto” de Lord Chandos.
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