domingo, 21 de agosto de 2011

A NÁUSEA

Hugo von Hofmannsthal (1874/1929)


Hugo von Hofmannsthal é o autor de uma carta imaginária que Philip, Lord Chandos, filho mais novo do Conde de Bath, escreveu, em 1602, a Francis Bacon. Nela, dá-se conta duma súbita impossibilidade de escrever ( ou melhor, da perda do desejo de escrita).

Poucos anos atrás, o espírito de Chandos parecia querer estender-se a todos os ramos do saber e da arte. O seu talento era reconhecido e os projectos não lhe faltavam. Mas tudo isso pertencia ao passado. Nenhuma língua lhe parecia, agora, capaz de exprimir os seus sentimentos e a sua maneira de ver o mundo. Sobretudo, o seu interesse deslocara-se das coisas consideradas importantes para os pormenores a que ninguém mais dá valor. Os objectos e os animais, por exemplo, diziam-lhe mais do que as pessoas ou as ideias em geral.

Primeiro, tornei-me gradualmente incapaz de discutir de qualquer assunto mais elevado ou mais geral nos termos nos quais toda a gente se julga habilitada a discutir, fluentemente e sem hesitação. Senti um nojo inexplicável até em pronunciar palavras como espírito, alma, ou corpo. Achei-me na impossibilidade de exprimir uma opinião sobre os assuntos da Corte, os acontecimentos no Parlamento ou o que se quiser. Isto não era motivado por qualquer forma de deferência pessoal (porque sabeis quanto a minha candura roça a imprudência), mas porque os termos abstractos que a língua tem naturalmente de utilizar para dar voz a um juízo, estes termos desfaziam-se na minha boca como fungos bolorentos.”

Esta conversão de Philip não é convincentemente explicada, como não o são as conversões em geral, como a da Estrada de Damasco, por exemplo. Ela é mais um símbolo de, como se diz agora, mudança de paradigma. O seu ponto crítico situa-se no período entre as duas guerras mundiais. Jean-Pierre Maurel identifica-a com o conceito de náusea: “A Náusea é a perda da unidade do ser e é a fragmentação da realidade em milhares de pequenos pedaços que não têm já qualquer ligação entre si e cuja soma de  sensações e percepções não alcança mais fazer uma totalidade.” E designa como profetas desse “estado de alma”, além de Musil (“O Homem Sem Qualidades”), Gombrowicz (“Ferdydurke”), Faulkner (“Pylone”) e Sartre (“La Nausée”).

Não é por acaso que esta carta fictícia é dirigida ao filósofo que inaugura a ciência moderna, com o seu ponto de partida empirista. É esta ciência e esta inteligência que entram em falência no “manifesto” de Lord Chandos.

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