É verdade que já
atravessámos outras crises, embora esta, segundo alguns, seja a mais difícil
desde 1975, e que tivemos de nos sujeitar algumas vezes à tutela financeira
imposta pelos credores.
Entretanto, muitas
coisas mudaram, sobretudo em resultado da revolução tecnológica das últimas
décadas, com impacto sobre a vida quotidiana de cada um, a nossa percepção do
mundo e até a forma como vemos a política. Em que é que, por exemplo, a “aceleração”
do nosso modo de inter-agir é relevante para o sentimento que temos sobre a “agudeza”
da crise e, por exemplo, a experiência da política austeritária?
O facto do sistema político
ter sido submetido a uma permanente exposição, sem por isso se ter feito mais
participado, tornou-o mais vulnerável. Fala-se, cada vez mais, numa crise de
representação, sem que se veja como é que os partidos que conhecemos poderão
satisfazer as necessidades duma democracia mais real, na dependência em que se
encontram em relação a semânticas ultrapassadas.
A figura do
primeiro-ministro está no centro desta crise enquanto ela é uma crise de
representação. Aquilo que parece uma argumentação recorrente, visando
estabelecer uma responsabilidade quase olímpica nos acontecimentos, é apenas o
discurso duma classe política que não quer ver a sua obsolescência e que se
julga ainda nos tempos adâmicos da representação. Fingem ignorar que só saberiam
fazer a mesma figura, mas com muito menos habilidade.
Sócrates não é o
rosto da crise económica e financeira, o que é uma ideia estapafúrdia. É o
rosto desta aliança indissolúvel entre os média e a política, onde se pode
dizer uma coisa num dia e outra no dia seguinte. Não porque os “factos” tenham
mudado, mas porque a interpretação deles é cada vez mais rápida e volátil. Temos
aqui o símbolo de outra crise mais funda.
O nosso sentimento em
relação à “austeridade” ou a quaisquer sacrifícios é, decerto, grandemente
afectado pelas expectativas criadas, não por qualquer político em particular,
mas por uma cultura adventícia de facilidade e insensibilidade social que
submergiu todos os valores, pela mão de toda a classe política.
Nos tempos da
Revolução Francesa, Rivarol dizia que a tipografia era a artilharia do
pensamento e que não se podem disparar tiros sobre o pensamento. O poder da Internet e das redes sociais, da televisão e do telemóvel é, na verdade, um
contra-poder que age por desconcentração e disseminação e tem a capacidade de
minar os alicerces feitos para resistir ao tempo e ao movimento. Todos os
dispositivos anti-sísmicos se encontram ultrapassados.
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