sábado, 28 de maio de 2011

SISMOLOGIA



É verdade que já atravessámos outras crises, embora esta, segundo alguns, seja a mais difícil desde 1975, e que tivemos de nos sujeitar algumas vezes à tutela financeira imposta pelos credores.

Entretanto, muitas coisas mudaram, sobretudo em resultado da revolução tecnológica das últimas décadas, com impacto sobre a vida quotidiana de cada um, a nossa percepção do mundo e até a forma como vemos a política. Em que é que, por exemplo, a “aceleração” do nosso modo de inter-agir é relevante para o sentimento que temos sobre a “agudeza” da crise e, por exemplo, a experiência da política austeritária?

O facto do sistema político ter sido submetido a uma permanente exposição, sem por isso se ter feito mais participado, tornou-o mais vulnerável. Fala-se, cada vez mais, numa crise de representação, sem que se veja como é que os partidos que conhecemos poderão satisfazer as necessidades duma democracia mais real, na dependência em que se encontram em relação a semânticas ultrapassadas.

A figura do primeiro-ministro está no centro desta crise enquanto ela é uma crise de representação. Aquilo que parece uma argumentação recorrente, visando estabelecer uma responsabilidade quase olímpica nos acontecimentos, é apenas o discurso duma classe política que não quer ver a sua obsolescência e que se julga ainda nos tempos adâmicos da representação. Fingem ignorar que só saberiam fazer a mesma figura, mas com muito menos habilidade.

Sócrates não é o rosto da crise económica e financeira, o que é uma ideia estapafúrdia. É o rosto desta aliança indissolúvel entre os média e a política, onde se pode dizer uma coisa num dia e outra no dia seguinte. Não porque os “factos” tenham mudado, mas porque a interpretação deles é cada vez mais rápida e volátil. Temos aqui o símbolo de outra crise mais funda.

O nosso sentimento em relação à “austeridade” ou a quaisquer sacrifícios é, decerto, grandemente afectado pelas expectativas criadas, não por qualquer político em particular, mas por uma cultura adventícia de facilidade e insensibilidade social que submergiu todos os valores, pela mão de toda a classe política.

Nos tempos da Revolução Francesa, Rivarol dizia que a tipografia era a artilharia do pensamento e que não se podem disparar tiros sobre o pensamento. O poder da Internet e das redes sociais, da televisão e do telemóvel é, na verdade, um contra-poder que age por desconcentração e disseminação e tem a capacidade de minar os alicerces feitos para resistir ao tempo e ao movimento. Todos os dispositivos anti-sísmicos se encontram ultrapassados.

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